domingo, 26 de julho de 2009

Palavra


Palavra é substantivo sem sentido
Não sei dela o que retirar
Sempre que alguma coisa digo
Querem a palavra interpretar

Esse é um equívoco solene
Que sofre toda a população
Neste mundo, cheio de gente
A palavra não tem precisão

Mas deveria ter, sim como não
Um sentido único e uma só explicação
Para a palavra falar, com razão
E prescindir de uma tradução

Um dia ela vem como elogio
Outro dia torna-se palavrão
A mesma palavra, que castigo
Aparece em qualquer ocasião

Por isso falar é inútil
Nessa vida repleta de fel
Que o maior ignorante da terra
Destaca-se nessa Torre de Babel

Ele diz que o sentido foi outro
Quando a ofensa grave se apresenta
E fica ofendido de morte
Se a palavra a ofensa sustenta

As palavras podem ser usadas
Na poesia, no amor e na canção
Os seres humanos no entanto
Não as usam com exatidão

Fale o que quiser caro leitor
E deixe à pessoa o interpretar
Que ainda que Deus desça dos céus
A palavra outro rumo vai tomar

Impossível é prever e controlar
A maneira do outro agir e pensar
Que por mais que você seja claro
Suas palavras vão sempre mudar

De sentido é o que digo
De significado também
As palavras são tão inúteis, pense
É no silêncio que você fala bem

Com uma coreografia perfeita
As palavras põem se a dançar
E ainda que você se esforce
Jamais conseguirá se comunicar

sexta-feira, 24 de julho de 2009



Quer se dar bem na vida e não carregar o peso da rejeição ou do escárnio público? Mostre apenas uma metade de você. Faça suas aparições deixando uma metade oculta.

Sorria 50% - ninguém suporta gargalhadas histéricas
Coma 50% - o guloso é mal visto
Beba 50% - o álcool te desnuda
Conte de sua vida pregressa 50% - o passado passou
Fale de seus pais 50% - ninguém entende a família do outro
Confidencie ao melhor amigo 50% - talvez esse não seja seu amigo para sempre
Compre 50% - as dívidas são detestáveis
Gaste 50% - pode perder o prazer, guarde para ter prazer no gastar
Assanhe 50% - não dá boa impressão
Chore 50% - nada mais antipático que lágrimas infindas
Transe 100% - parcimonia com o número de parceiros
Grite 50% - e olhe lá, quem fala alto é evitado
Ironize 50% - as ironias podem ofender 100%
Critique 50% - guarde o deleite para si

Se conseguir atuar usando 30% de sua potência suas chances serão bem maiores. Seguindo esse conselho, pode não levar a melhor mas jamais a pior.

sábado, 18 de julho de 2009

Autonomia do sentimento: a inveja


Desconheço uma pessoa que não padeça desse mal: a inveja. Como qualquer outro sentimento a inveja também é autônoma, simplesmente a sentimos e ponto. O fenômeno que me impressiona é que as pessoas negam esse sentimento exatamente porque está catalogado entre os mais detestáveis. Como é comum escutar frases como "cuidado com a inveja"; "fulano é invejoso"; "as pessoas têm inveja de mim" e seu revés, "não tenho inveja de nínguem"; "nada me provoca a inveja"; "não sei que sentimento é esse".
Grande bobagem, palavras ao vento, a inveja está presente em todo ser humano, faz parte dessa gama de sentimentos que trazemos no nascimento e está prontinha para potencializar, é só pintar uma determinada situação que a maldita desperta de sua letargia.
A inveja é um sentimento sem um único rosto, é multifacetada. Aparece na forma de sorriso, de elogio, de ironia, de brincadeira, de piada, de maldade, de traição e até de assassinato. A inveja matou Caím.
Há como domá-la, como impedir sua manifestação. Basta enquadrá-la na área dos sentimentos que não podem atuar em hipótese alguma. Vale até uma Ave-maria, um Pai-Nosso e um Glória. Assim Deus se compadece e ajuda o invejoso a se recolher.
Mas a minha antipatia maior não é do invejoso, esse se consciente, está sob controle. Minha antipatia é dos eternos invejados. "Minha chefe tem inveja de mim, por isso me prejudica"; "meus colegas morrem de inveja de mim, só porque sou excelente no que faço"; "minha vizinha tem um olhar de inveja que até me benzo". Ai meu Santo! Que idéia agigantada de si próprio faz com que alguns idiotas se sintam invejados a todo tempo. Tem gente horrenda que se diz invejado, gente de inteligência mediana que se vê cercada pela inveja de todos, gente que nunca se destacou por um feito importante na vida, mas que a seus olhos todos invejam e queriam ser como elas, medíocres. Só pode ser isso. Pelo amor de Deus, além de lidar com a inveja ter que lidar com a vaidade e prepotência é uma dobradinha infernal para enfrentar. Só abatendo a tiro.
Já que a inveja existe vamos invejar o realmente invejável e dormir acalentados pelo belo e desalentados por não ter tido o privilégio de ser "o invejado". Ah, tem mais uma, inveja sem ação direta não prejudica nínguem, não impede que a gente vença. Basta de desculpas para a própria incompetência. Se a força dela fosse tão poderosa, os grandes cientistas, grandes artistas, grandes pensadores, não resitiriam para completar a obra. Estariam todos mortos. E as mulheres bonitas? Que Deus as proteja.

sábado, 11 de julho de 2009

Autonomia da imaginação arbitrária

Tudo começou em uma noite chuvosa. Parado à frente de uma loja de conveniência de meu bairro, vi um homem bem vestido, bonito e extremamente sério. Ao dia seguinte lá estava a criatura, mesma posição, semblante inexpressivo, fumava. E assim por vários dias sucessivos o quadro era o mesmo. Tinha uma cara ingênua e inofensiva, se é lícita essa expressão porque na verdade aquele rosto desconhecia o sorriso ou alguma simpatia. Aos poucos o homem da rua foi se transformando e deteriorando. A barba cresceu irregularmente, as olheiras tornaram-se negras e os cabelos foram se desgrenhando à moda pré-histórica, como se um vendaval tivesse como tarefa transformar o que um dia foi belo em um espectro humano. As roupas imundas, rasgadas sem deixar o mais leve vestígio de asseio. Tomou a aparência de um mendigo, mendigo não pedinte, sem cachorro. O animal de estimação me parece ser a única ligação afetiva das enigmáticas pessoas que moram na rua. Sua aparição noturna me intrigava até que uma manhã o vi no centro da cidade caminhando, depois o vi mais umas tantas vezes vagando pelas ruas de diferentes bairros, não era dado ao sedentarismo. Será que ele me via também? Confesso sentir certo medo no olhar apagado daquele homem. Sirvam esses detalhes apenas de introdução de uma estória que durou quase 2 anos. Em face disso que força tem a imaginação. Passei a pensar nele com mais frequencia que o necessário eu queria extrair daquela alma uma explicação de sua vida.

Há algum tempo tenho observado
Ao lado da casa onde moro
Um homem em silêncio parado
Olhar sem brilho, embaçado
Imagino sensibilizada, qual será seu fardo

Quando ali apareceu era um jovem bem trajado
Mas em seis meses a estranha criatura
Por alguma severa desventura
Aparentava apenas um velho alquebrado

Passava as noites de pé, em alerta
Como um soldado em guerra permanente
Terá ele uma ferida aberta no peito
Ou na alma uma questão pendente

Já ouviram falar em alma suspensa?
É algo como um gélido torpor
A respiração é falha e tensa
O corpo se retorce em dor

Talvez seja esse o caso do homem do lado
Imobilizado como se estivesse a pensar
Em algo do passado remoto ou recente
Que se tornou inquilino indesejado em sua mente

Pode ser a mãe, um filho, um irmão
Pode ser o dinheiro, a desgraça, a ruína
Pode ser uma mulher que o confinou a essa prisão
Pode ser a vida, de esperança já não tem a mínima

Homem da rua, homem sem expressão
Quem sabe eu possa lhe dar uma mão
Se seu problema for de ordem material
Fico feliz, de todos é o menos mal

Se perdeu um amigo e dele não se esquece
Acalme-se que o tempo lhe trará a serenidade
Volte ao mundo, mas não muito tarde
Seu amigo foi ali, não muito longe, espere
Passará com ele toda a eternidade

Se é por um filho que tanto se abate
Se a vida que leva não é o que você quer
Boa atitude não é imobilizar-se
Mas parar ao seu lado para o que der e vier

Se contraiu uma doença letal
E com ela não suporta conviver
Pense que não é um privilégio seu
Nascer, viver e morrer

Se já não tem a mulher que mais amou
Se a perdeu para outro ou foi desamor
Se quer a verdade te direi aqui na rua
Comece a contar lua por lua

Depois de dez ou vinte luas cheias
Virão as outras para seu tempo brilhar
Agüente firme, a guerra é dura,não se renda
Ela arrasa, fere, destrói, mas vai passar

Quando estiver livre desse tempo anódino e inodoro
Volte a ser como os outros, aparentemente sãos
Mas saberá que apesar de tudo
Experimentou o inferno, a prometida danação

Por tantas já passei e com conhecimento confesso
Da vida levo dores e grandes tormentos
Mas se a loucura não me fez sua prisioneira
Continuo andando e adeus lamentos.

sábado, 4 de julho de 2009

A autonomia do sentimento

Existem mentiras e mais mentiras mas a maior de todas é que sentimento se controla. Quem dera! Se nos fosse dada a fórmula de controlá-lo, grande parte das maldades do mundo desapareceriam. A única coisa que se pode fazer é impedir a manifestação externa dos sentimentos, bons ou ruíns, mas controlar a invasão dele nas horas mais inesperadas e impróprias, é inteiramente impossível. A questão não reside no amor ou no desamor,fomos agraciados com um sem número de sentimentos que entre o amor desvairado e o ódio assassino, perpassam a maldade, o despeito, a raiva, a inveja, o ódio, a vingança, enfim uma lista a ser engrossada a cada minuto pelo ineditismo do comportamento humano. É da nossa natureza, somos um poço de sentimentos autônomos de toda ordem e temos como dever de honra e ética não nos submetermos a eles, principalmente os espúrios. Só isso nos distingue dos animais.

Eu pergunto, existe coisa mais antipática e fora de propósito quando alguém nos diz..."perdoa, o ódio não leva a lugar nenhum", pura encenação de quem não tem envolvimento emocional com o fato. Posso, é do óbvio, não matar ou extravasar meus sentimentos além do limite da lei, mas deixar de sentí-lo, impossível.


quarta-feira, 1 de julho de 2009

Dor nos Pés...essa mata.

O Pisante Assassino

Vivia eu exilada nos Estados Unidos, quando recebi pelo correio um pacote do Brasil. Tomei-o em minhas mãos e galopei para dentro de casa com o intuito de sorver a sós o deleite de o abrir. Antes porém pratiquei uma tortura contra mim mesma, velho hábito que trago da infância, adiar a felicidade. Fui à cozinha, fiz um café, tomei, acendi um cigarro, liguei o som, tomei banho, troquei de roupa, passei batom, pus brincos de pérolas e um anel também de pérolas. Estava preparando-me para o solene momento que abriria aquele pacote, ele sobre a mesa não me dava uma pista do que era. Hoje sei, era um criminoso de periculosidade não catalogado nos arquivos policiais.

Inocentemente tomei-o em minhas mãos e o abracei com a ternura que se abraça um filho. Aquele embrulho azul cerúleo era para mim um pedacinho do céu de minha pátria, um alento conterrâneo para minha alma triste e saudosa. Ao som do Hino Nacional comecei a filar, à moda dos jogadores de cartas, cada dobra do tesouro que era meu, só meu, meu pacote do Brasil.

De repente sob meus olhos piscantes brilharam duas esculturas, cor da terra brasileira, sim, o mais formoso par de sapatos que já vira em minha surreal existência. Minha patriota menina do olhos quis chorar de alegria mas eu a impedi, detesto lágrimas.

Depois de todas as honrarias prestadas à dupla, lavei novamente os pés, passei cremes caros nessa base cansada, sentei na melhor poltrona da casa e os calçei, ainda ao som do Hino Nacional. Que prazer, que sensação de bem-estar, o presente parecia feito da mais pura seda e ainda por cima exalava um perfume campestre. Eu os admirava a tal ponto que a dado momento, já desvairada de felicidade batizei-os com o nome do grande viajante desdobrado em dois: Marco e Pólo.

Pensei, vou sair, vou passear com Marco e Pólo. Pintei a cara para melhorar a estampa, puxei fortemente os cabelos para trás com o fim de esticar um pouco o rosto, passei perfume e com um pedaço de veludo lustrei delicadamente Marco, repeti o ritual em Pólo e saímos à exibição pública. Aquele dia era meu como se fosse o dia de meu aniversário, tudo estava a meu favor, a temperatura alta, uma leve brisa me dava guarida, as flores sorridentes se viravam para olhar a dupla, as árvores se faziam tendas para nos dar a sombra, alguns carros paravam e seus ocupantes me olhavam estupefatos, eu já não andava eu voava, eu era a mulher mais invejada da cidade, os homens e a natureza finalmente reconheceram meus encantos.

Marco e Pólo eram os responsáveis pela minha passagem, do anonimato total eu me tornava uma estrela. Sobre meus passarinhos que garantiam a leveza do meu andar, os ouvia pipilar a cada passo, eu desfilava pelos mais movimentados pontos da cidade.

Mas para pagar tributo ao velho chavão, a alegria de pobre dura pouco, aliás não dura nada. Um homem com cara de riso, com o olhar fixo em Marco e Pólo deu me um aceno com a mão, eu não o conhecia mas ensaiei um sorriso delicado ao admirador. Em seguida uma criança levada pela mão do pai apontou para os meninos que eu calçava. O pai, um insensível, puxou-lhe rapidamente e pediu ao inocente de gosto apurado a discrição de um adulto. Que bruto!

E lá ia eu com minhas maravilhas deslizantes pelo mundo quando um homem de aspecto fracassado me olhando urrou: sangue!...Continuei impoluta no meu desfile quando escutei outro grito de alerta, dessa vez como relincho: sangue!... Pensei que pudesse ter havido algum acidente por perto e as pessoas estariam prevenindo às outras pelos possíveis sustos. Até que um impertinente aproximou-se e disse me cara a cara: “moça seus pés estão ensanguentados”.

Pensava que o amor só era cego, hoje sei que o bandido é também indolor e insensível. Baixei subitamente os olhos e não vi nada, virei a cabeça lentamente para trás e flexionei a perna esquerda também para trás, repeti o movimento com a perna direita e a verdade esbofeteou-me o rosto. Meus tornozelos estavam no osso, era sangue que jorrava prá todo lado, não havia mais a pele, nem aquela carne magra que reveste esse ponto do corpo resistiram à fúria de Marco e Pólo, os atacantes.
Voltei para casa arrasada em lágrimas, traição igual só conhecia no gênero masculino, em sapatos, não. Eu os queria matar, lentamente, na tortura. Arranquei os amaldiçoados dos pés e os arremessei contra a parede sem dó, sem lástima.

Esbravejava e os ofendia como se fossem gente e não seres inanimados, afinal gente é que fere sem razão. No entanto estava perante uma exceção. Pensei...vou vender esse par de canalhas. Já que comigo não se adaptaram, quem sabe podem sentir-se melhor em outros pés. Ao par disso poderia obter algum lucro, o que não seria de todo um mal. Foi assim que começou a saga dos pisantes assassinos.

Depois de fazer curativos nos aleijões em que se transformaram meus pézinhos e tomar remédios contra ferimentos graves, coloquei os perigosos na caixa e rumei para a casa de uma amiga que hospedava umas parentes há quase um mês, quem sabe ali me veria livre de Marco e Pólo. Ah, há um detalhe que me esqueci de mencionar, o modelito da dupla. O bico dos ignóbeis era furado à moda dos anos 60, tinham também uma alça no peito do pé que lhes dava uma graça infinda. O salto era grosso, firme e elegante.

Chegando à casa da anfitriã de visitas odiadas no exterior, uma das hóspedes enlouqueceu com a beleza dos irresponsáveis, antes que eu fizesse qualquer objeção ou recomendação ela os enfiou pé afora enquanto seu desavisado dedão escorregava para dentro da máscara mortuária e se encaixava na abertura da frente. De repente começaram os gritos desesperados da hóspede-menina: socorro, tira, tira pelo amor de Deus. Sentada no chão ela blasfemava tentando tirar Pólo de um pé que apertou seu dedão de tal forma que ele imediatamente inchou e arroxeou. Enquanto a ajudávamos Marco se incumbia de fazer sua parte. Na minha cabeça a gangrena era certa. Lutamos bravamente contra os dois, eu puxava o corpo da possuída e minha amiga os assassinos. Quando a liberamos, o impacto foi tão grande que fui parar com as costas em uma parede e minha ex-amiga na da frente, uma violência. Marco e Pólo mais uma vez festejaram a vitória.

Sai dali desagradada, sem convites para ficar mais um pouquinho, mas já pensando em outra vítima. Lembrei-me de uma colega chinesa que aparentemente gostava muito de mim. Seus pés eram fininhos e delicados, naturalmente os sapatos não teriam como fazer-lhe mal. Essa filha de Mao Tse Tung por certo os compraria, eu já obsevara que longe dos olhos do Partido, ela se deleitava nos prazeres do consumismo capitalista desenfreado. Quando lhe mostrei o inocente par de sapatos, seus olhos puxados desempuxaram-se, aquele era um objeto precioso, duplamente importado, do Brasil para os Estados Unidos e no futuro para Pequim. Comprou-os sem pestanejar. Cinqüenta dólares. Os agradecimentos foram de tal ordem, que sentia-me previamente culpada só de imaginar o espírito perverso de Marco e Pólo voltando à carga e dessa vez a guerra seria ideológica. Não deu outra.

Quando sai da biblioteca vi Turikita rodeada de patrícios que falavam e gesticulavam como se tramassem uma retaliação ao sabor amarelo. Foi só pôr os olhos em mim que a "vermelha" pouco convicta miou, Luchiiiiiiiiiiiiiiiinha (meu nome é Lúcia mas Turikita não pronuncia bem o C e eterniza a sílaba tônica,) que “iiiiiiiisho”? Eu quis fugir mas amedrontada por uma possível perseguição amarela, a atendi. Meu Deus do céu que estrago, lamentei. Ela, implacável, com os pés franzidinhos horizontalmente, vociferava, “where is my money?”.

Dessa vez achei que Marco e Pólo fizeram bem, afinal, aquele não podia ser o comportamento de uma chinesa maoísta que se prezasse. Indiferente à dor lascinante que sentia, ela só queria saber do dinheiro. Eu também, mas comunista não sou, logo posso ter uma certa ternura pelo escasso vil metal. Devolvi a ela “meu dinheiro” e me mandei sob ameaças da furiosa turba oriental; os delinquentes dentro da caixa.

Depois de tanto sofrimento e já resolvida a pôr fogo no detestável presente, encontro-me com uma brasileira conhecida por sua personalidade invejosa, ela queria tudo dos outros, inclusive os maridos. O meu infelizmente ela não quis, nem tudo eram flores naquelas plagas. Quando viu a caixa perguntou de cara, que isso? Um par de sapatos do Brasil, estão grandes para mim, quer comprá-los? Falei com doçura. Supitando ela abriu a caixa e com um sonoro suspiro de admiração pagou-me os cem dólares (aumentei o preço) e saiu saltitante, em lua de mel com sua nova aquisição.

Ao dia seguinte quando passei de ônibus por uma rua calma de minha vizinhança vi uma moça agarrada em um poste. As pernas estavam trançadas e trêmulas, estranha visão. Quando subi meu olhar a seu rosto, reconheci a tal brasileira invejosa. Pagou caro pela inveja. Seu rosto estava inteiramente desfigurado, os olhos azarolhados, a boca tomou o formato de um O, coisa do outro mundo e a cabeça girava com uma rapidez impressionante, parecia um pai de santo em sua melhor perfomance. Quando baixei meu olhar para o chão vi que ela estava com um pé em ponta e o outro dobrado para fora.
Apavorada desci do ônibus e reconheci Marco e Pólo atacando outra vez.... Ela só me lançou seu olhar vesgo e gemeu:"bandida".

Essa é a estória de um par de sapatos, assassinos da base. Hoje depois de julgados e condenados, esses malditos pisantes jazem enforcados no galho de uma frondosa árvore no interior dos Estados Unidos. Torná-los inacessíveis foi a única forma de impedir que o espírito de “serial killer” continuasse inutilizando os pés femininos.

Não sei o porquê da fascinação das mulheres por sapatos, acho mesmo que seja algo do gênero feminino, padecemos dessa obsessão e assunto encerrado.

Pois bem, contei esse drama para que todos saibam o que pode acontecer por amor: eu sentia um amor verdadeiro por sapatos. Era aquele tipo de amor raro, imotivado, sincero, fiel e subserviente. Tenho certeza que foram os sapatos os grandes amores de minha vida. Sempre que os via nas vitrines, reverenciava-os como a um ser superior. Sapatos para mim tinham alma e coração...macabra crença. Essa dor eu guardo no peito.