sábado, 14 de novembro de 2009

Se houvesse escolha, a vida seria outra


Gosto de pensar a vida metaforicamente, talvez porque assim ela me pareça mais suave. Da noite para o dia sem que possamos pensar ou até mesmo reagir, tudo muda. Muitas vezes fui levada por correntezas plenas de deleites. Nunca as aproveitei devidamente, sempre soube que nada é para sempre e assim a expectativa do pior invalidava a dádiva do momento. Escolha, têrmo levianamente usado, não existe. Existem sim as contingências da vida e é no interior delas que nos movimentamos como podemos. Por isso gosto do aforismo sartriano, "não importa o que fazem com a gente, mas o que fazemos com o que fazem com a gente". Pensei em uma poesia que reflete meu estado de espírito permanente. Há quem aposte que no efêmero está a beleza e magia da vida. Pode ser. Essa é uma convicção salvadora.

A Flor e a Fonte Vicente de Carvalho

"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte..."
"Não me leves para o mar."

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu..."

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr-do-sol;

"Carícia das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!..."

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...

domingo, 8 de novembro de 2009

DESVIVER E VIVER, UM ÚNICO DIA




Que benção seria desviver hoje. Meu último pedido seria nunca ter vivido e o direito de viver por um único dia, um dia dos meus oito anos, a inocência.


MEUS OITO ANOS
Casimiro de abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar - é lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

domingo, 1 de novembro de 2009

O Dia dos Mortos


Nada mais emblemático que a Pietá para representar a dor da perda de um filho, está é uma dor que mata. Amanhã é o dia dos mortos, dia triste, fúnebre, nostálgico, dia da dor que entra no coração dá uma pequena volta e entra outra vez. Que vontade desesperada de ver seu rosto, de ouvir sua voz, aquela voz que no mundo não há igual, seu alô ao telefone, quero te ver andar com seu passo em harmônico compasso, seu riso, quero seu cumprimento no dia do meu aniversário, sempre o primeiro. Quero você de novo, quero escutar o que tem a dizer, quero ouvir sua sensatez, quero te ver cultivar as orquídeas, quero ouvir seu assobio, quero te ver fumando, tomando chimarrão,ouvindo a transmissão do jogo do Atlético (hoje êle ganhou,3 gols para você), quero você com a minha idade, somos iguais, eu te alcancei e hoje sou mais velha que você. Aquele foi o dia mais triste da minha existência, febre interna, alma agitada, dor intensa sem interrupção, sem remédio, é a única que consigo sentir outra vez. É só lembrar de você e essa dor volta como um vulcão em erupção.
Mas eu te chamo, venha só um por um tempo, diga que você só foi ali, converse pelo amor de Deus, entre por essa porta então, não fale nada, mas deixe que eu ponha meus olhos em você materializado uma vez mais. Eu não suporto a idéia de conviver só com as lembranças, te quero real. Quero ser menina e ter ainda você, meu pai.

Senhor, dê-me um dia, só um dia para acalmar essa dor além de qualquer expressão. Se não pode ser de outra forma, se é o único caso que o "nunca mais" se aplica inexoravelmente, traga o meu pai no meu delírio onírico.

Amanhã é o dia do mortos. A morte não existe, ela ronda e leva as pessoas que continuam vivas e falando dentro da gente até acontecer o grande encontro. Disso não tenho dúvida. Nesse dia não haverá mais nem uma lágrima, só o sentimento de plenitude de ver meu pai e tornarmos eternamente iguais.

Meu pai, Paulo Campolina, meu pai.