sexta-feira, 24 de setembro de 2010

IMPOSTORAS POR UM DIA, ADRENALINA A MIL








Ser estrangeiro é viver em um raro estado de espírito, é ser livre dos olhares dos compatriotas, é não ter compromisso algum, é não ter medo de nada, é ser inocente por um tempo, é respirar a liberdade, liberdade total. Ser estrangeiro é viver intensamente, pelo menos por um tempo. Entendam que estou falando daquelas pessoas que conseguem ser estrangeiro naturalmente, que dão conta de relegar às próprias referências para um segundo plano e absorver o diferente, o outro, sem preconceito. É sair de casa (home) sem abandoná-la mas também sem levá-la na bagagem. Isso é possível.

Foi assim que eu e uma amiga fomos parar na casa de uma família muçulmana na Cidade do Cairo. Nosso agente de viagem, rapaz esperto que igual eu nunca vi, armou um ardil para que nos dessemos bem na empreitada rumo à África. Contou-nos que tinha um vizinho egípcio chamado Omar e sabia o telefone e endereço da família dele no Cairo. Quando perguntamos qual era a vantagem em saber um nome e um endereço, ele sugeriu: "telefonem para o irmão dele e digam que são amigas, vizinhas, chegadas do saudoso Omar. À época Omar estava em Miami e o golpe seria perfeito. Viveríamos a experiência única de visitar uma família egípcia. Fomos.

Aquilo que a princípio não cogitamos, de procurar os Mahamed, tornou-se uma necessidade quando chegamos às 3 da madrugada na cidade. Pegamos um táxi e pedimos ao motorista que nos levassem a um bom hotel. O homem dirigindo em alta velocidade, com cara de cão, virava o corpo inteiro para trás nos pedindo dinheiro aos gritos: "money, money"'. Minha amiga apavorada me implorava: "dá Maria, dá pelo amor de Deus, esse homem vai nos matar Maria", ela trata todas a amigas pelo nome da mãe de Deus. Não dei. Àquela época eu era destemida, coisa que hoje não sou. O desvairado nos deixou em um hotel lindo, era música, homens, mulheres, uma alegria. Com pouco tempo, já no quarto, nos demos conta que aquela festa toda era meio estranha em pleno Ramadã (tipo a Quaresma da religião católica, seriamente respeitada no mundo islâmico). O hotel não era bento. O jeito era pedir ajuda ao irmão de Omar.

Ao dia seguinte telefonei para o irmão de nosso amigo Omar. Ele estava dormindo mas foi gentil. Falou que aquele hotel não era para mulheres e que fôssemos para o Hilton imediatamente. Depois de instaladas demos uma volta pelo centro da cidade e ....rumo às pirâmides. Depois conto as aventuras no deserto. À noite telefonei para o homem para agradecer e ele muito solícito nos convidou para jantar na casa da família. Só a título de explicação, durante o Ramadã os muçulmanos fazem jejum absoluto entre o nascer e o pôr do sol. Quando o ocaso está próximo o país vira uma loucura, as pessoas famélicas correm pelas ruas para chegar em casa e comer até o sol raiar. Nós, estrangeiras, fumávamos, bebiámos e comiámos sem despertar a menor inveja nos devotos, Ramadã é Ramadã, menos no nosso primeiro hotel. À noite nos demos conta que também na boite do Hilton o Ramadã era relaxado, o som rolava solto, vimos muitos homens dançando com homens, só dançando.

Lindas na porta do hotel recebemos nosso anfitrião vestido à americana, calça jeans, tênis e uma bela Mercedes Benz. Começou o teatro. Falou do irmão o tempo todo e nós não sabiámos nada do Omar, nem da família, nem do negócios. Nosso agente foi falho nesse ponto. Chegamos à casa e lá estava toda a família nos esperando com mil abraços e beijos. Perguntavam por nomes e detalhes que provocaram o temor em minha amiga de sermos descobertas. Foi uma loucura. A cada pergunta ela, meio desfalecida, gemia: "confessa Maria". Relutei até o fim, não confessei. Respondi o irrespondível. Passamos a noite esperando a hora da descoberta e do crime ou prisão. Minha amiga já se via na cadeia em plena cidade do Cairo, tinha lágrimas nos olhos. Grande experiência, pelo menos inesquecível.

Veio o jantar, 22 pratos, eles intercalavam a comida com cigarro, uma festa. O Ramadã? Só com o nascer do sol reiniciaria. Comemos de tudo, até uma perereca frita que depois soubemos que era pombinha nênem, que delícia! Sei que nos adoraram pelo tanto que riam, que nos olhavam com olhos amáveis e comentavam em árabe coisas simpáticas a nosso respeito, entendo um pouco daquela língua. Um dos irmãos eu achei parecido com o Gandhi, segundo o irmão, um gozador, ele parecia era com a Indira Gandhi. Todos riam mais que a situação demandava.

Saímos dali com o coração cheio de alegria, mais de 30 fotos, cartas para a família brasileira, o plano tinha dado certo. Ao chegarmos no Brasil, minha amiga tomada pela culpa cismou de procurar Omar e confessar o crime. Fomos. Omar, a simpatia personificada, ria a "piernas sueltas", na carta o irmão lhe dizia que não mandasse todos os brasileiros que fossem ao Egito procurá-los, falava que nós éramos umas amigas muito simpáticas mas estranhas porque nem o nome de Irene, mulher de Omar, nós não sabíamos e que o irmão, um muçulmano de carteirinha, um filho de Tutankamon convicto, foi confundido por mim com Indira Gandhi, uma ofensa religiosa. Omar ria e nos contava estórias de sua vida e de seus irmãos e cunhadas. Sua vida foi uma aventura, maior que a nossa, mas será que com tantas emoções?

Meu conselho: visitem o Egito, é terra de gente muito hospitaleira. Tenho amigos lá....


































































3 comentários:

  1. Tinha me esquecido desse episódio. Vejo a Bebete falando "confessa, Maria!" kkkkkkkk
    Vcs devem ter se divertido muito!

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  2. Maria,
    sou eu Bebeth.Olha só o vexame!!Não sei mais como me cadastrei(conta Google?Não tenho).Daí, não sei como me identificar.Deixa pra lá.
    Que delícia relembrar este nosso caso egípcio!.
    Graças a Deus já aproveitamos horrores juntas, soltas neste mundão sem porteira. Conta mais....

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  3. Não me lembrava dessa história. Ótima. E saudades da Bebeth. Beijos

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