quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

MATARAM GARCIA LORCA














"Verde que te quero verde"
                             

Estudando profundamente a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), sinto-me a cada dia mais apaixonada pelo tema. A guerra em si eu não compreendo, assim como Virgínia Wolff, acho que a guerra é uma decisão de homens e não de mulheres. Essa guerra fratricida criou uma fissura indelével na sociedade espanhola.



Os espanhóis acham, que com o passar dos anos, só se falará da década de 30 como história. Será? Ainda hoje fossas são encontradas repletas  dos esqueletos de homens que lutaram pela liberdade democrática, mas que a inexperiência para governar a nova República, inaugurada em 1931, frente à força do exército franquista, formado desde o Marrocos, foi incapaz de resistir.


Resistiram durante 3 anos, resistiram sem exército, sem apoio das potências democráticas, EUA, Inglaterra e França ( essa última foi menos radical, vendendo armas às escondidas para os Republicanos).



Foram heróis, lutaram com exércitos de milicianos que não conheciam a guerra e menos ainda as estratégias modernas para encarar os alemães e italianos, que vieram à ajuda de Franco. Stalin  ajudou os Republicanos, as Brigadas Estrangeiras tiveram um papel importante, mas há de se estudar com detalhes para entender que ali também, enquanto milhares de pessoas morriam assassinadas, as dissensões internas entre os republicanos e a briga de Stalin com Trotsky criaram cisões dentro do bando que defendia a República. A República foi vencida, mas os vencedores levaram, mas não ganharam. Os espanhóis podem esquecer, mas perdoar, jamais.



Depois de estudar exaustivamente o tema, sinto que falta muito, muitíssimo para entender uma guerra onde há irmãos dos dois lados das fronteiras. Como afirmou o General De Gaulle, " em guerras em que há irmãos lutando contra irmãos, a guerra acaba, mas a paz não chega". É verdade.





O que me tortura durante essa pesquisa, é que a cada dia percebo que a maldade humana pode se potencializar a qualquer momento e ela não vem para brincar. Só para falar um pouco de forma não acadêmica, o bando franquista matou o grande poeta e dramaturgo granadino Frederico Garcia Lorca aos 34 anos. Choro quando penso nisso, choro quando penso que alguém pode fazer um mal irreparável a alguém que tem a capacidade de escrever:



O ROMANCE SONÁMBULO   (só trancrevi uma parte)




Verde que te quiero verde.




"Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas".      



(Sublime, é o que se pode dizer de Lorca)

Quando Lorca foi assassinado, a comoção foi ímpar nesse país. No entanto, o terror à repressão franquista silenciou a Espanha, por muitas décadas. Antonio Machado,
 um dos maiores poetas  espanhóis do século XX, foi uma voz que não se submeteu às armas. Com pluma e a alma em luto nos deixou essa outra maravilha:



EL CRIMEN FUE EN GRANADA: A FEDERICO GARCÍA LORCA



1. El crimen



Se le vio, caminando entre fusiles,
por una calle larga,
salir al campo frío,
aún con estrellas de la madrugada.
Mataron a Federico
cuando la luz asomaba.
El pelotón de verdugos
no osó mirarle la cara.
Todos cerraron los ojos;
rezaron: ¡ni Dios te salva!
Muerto cayó Federico
—sangre en la frente y plomo en las entrañas—
... Que fue en Granada el crimen
sabed —¡pobre Granada!—, en su Granada.








2. El poeta y la muerte





Se le vio caminar solo con Ella,
sin miedo a su guadaña.
—Ya el sol en torre y torre, los martillos
en yunque— yunque y yunque de las fraguas.
Hablaba Federico,
requebrando a la muerte. Ella escuchaba.
«Porque ayer en mi verso, compañera,
sonaba el golpe de tus secas palmas,
y diste el hielo a mi cantar, y el filo
a mi tragedia de tu hoz de plata,
te cantaré la carne que no tienes,
los ojos que te faltan,
tus cabellos que el viento sacudía,
los rojos labios donde te besaban...
Hoy como ayer, gitana, muerte mía,
qué bien contigo a solas,
por estos aires de Granada, ¡mi Granada!»



3.

Se le vio caminar...
Labrad, amigos,
de piedra y sueño en el Alhambra,
un túmulo al poeta,
sobre una fuente donde llore el agua,
y eternamente diga:
el crimen fue en Granada, ¡en su Granada!


autógrafo

Se alguém  colocar  dúvidas nessas maravilhas, que nunca mais visualize esse BLOG.
Nota: procurem saber sobre a obra de Frederico Garcia Lorca, o poeta de Granada.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O ÓCIO SEM CULPA






Hoje passando em revista o meu dia, fiquei encantada comigo, sou capaz de não fazer nadinha e ser feliz.. Não fiz nada, mas ensaiei tudo. Levantei, troquei de roupa para descer para o café da manhã, não fui. Liguei o computador para escrever o artigo que tem me mortificado, nem uma linha saiu. Coloquei uma roupa para dar uma caminhada, mas encontrei uma mocinha belga no corredor que entendeu de me contar uma história, não dei a caminhada. Tomei banho para descer na hora do almoço, não desci, fiquei lendo o livro " Memórias da Casa Morta", de Dostoievsky. Comi uma maçã, não achei a menor graça, mas comi. Comecei a ouvir música, ela me tratou de canto chorado. Pensei nas novelas da Globo, fiquei saudosa do Tufão. Deitei na cama de roupa e tudo, dormi por uma hora, dormi não, morri. Acordei pensando no meu aniversário em fevereiro, queria dar uma festa para mil pessoas, uma festa linda. Queria fazer aniversário duas vezes ao ano, adoro. Eu iria vestida de dourado, uma luz irradiando felicidade. Pensei no carnaval e no grito das escolas de Samba, chorei. Tem gente que odeia Carnaval, incompreensível, mas há. Comi um chocolate, delícia. Dizem que engorda, pouco importa, comi assim mesmo com a maior alegria. Pensava com tanta velocidade que cheguei a pensar que tinha 2 cérebros. Pensei em minha mãe, sim essa é uma presença que nem a erosão do tempo, nem as falhas da memória podem alterar.Pensei em minha meninas, elas nunca me verão de costas, estarei sempre que precisarem de mim. Coloquei roupas de lã para passear nas lojas e comprar coisinhas inúteis, não fui. Abri uma Coca e tomei, ela desceu cantando o Hino Nacional. Lembrei de uma porção de coisas que já escutei na vida e conclui que nem todas as palavras dos outros passam do desenho de seus lábios, para calar fundo no coração do outro, grande perda! Olhei as fotos das minhas meninas, senti dor no peito, olhei fotos de meus netos, senti dor no peito, olhei uma foto de minha mãe, mais dor no peito. Tomei outro banho, foi ótimo, um certo exagero. Telefonei para minha amiga Rachel, gosto muito dela. Liguei a televisão e vi a novela, adoro.
Recebi um email da professora que me recebeu aqui, amanhã irei à Universidade.

Hoje foi o dia dedicado, sem nenhum preparo prévio, ao ócio. Felicidade autêntica. Nem uma notícia ruim, nem fui destinatária de um telegrama urgente, graças a Deus. Agora vou dormir com a certeza do dever cumprido. Se fosse compositora de música, o título seria: " Essa é por mim ". Agora vou deitar, pensando no Mandela, no meu interior me vem a letra da música:  "Ah se todos fossem iguais a você". Impossível. Salve Mandela!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O MITO DO LENHADOR











Criar um mito parece difícil? Não é. O mito é uma construção do homem. Como sempre, mitificar supõe falsificar. Os mitos são inquestionáveis. Eles habitam em um lugar privilegiado no universo mental das pessoas que para derrubá-los, nem o exército de Brancaleone.

A história é um dos terrenos mais férteis para a fecundação de mitos e sua subsequente imortalidade. Queiramos ou não, o mito transcende o escopo da ação do homem e isso o torna inacessível, inatingível. É notável a capacidade da memória humana em armazenar mitos absurdos e ainda reproduzi-los por séculos. Não seria uma ignomínia afirmar que a crença no mito, produz um efeito paralisante na mente. As pessoas o internalizam como cânone e o alojam em algum lugar impenetrável pela razão. Assim, ele impera soberano para sempre, favorecendo alguns e amargando a vida de outros. Esse é o lado complexo de sua existência. Há algum tempo desconstruí todos mitos que me atormentavam a alma. Dessa enfermidade já estou curada.



O fato é que esses prolegómenos só foram sinteticamente escritos para introduzir meu tema: sem ter a intenção criei um mito: o mito do lenhador. Conto a história tal qual aconteceu e fica à cargo do leitor a constatação ou não da inviabilidade do entendimento entre os homens. Só para não dar margem a outros mitos, estou querendo dizer sobre a inviabilidade do entendimento entre Homens, independente do gênero.


Um dia, cheguei à universidade e um estudante veio a mim afobado, dizia que minha aula foi amplamente discutida na aula de um outro professor. Perguntei-lhe a razão e ele me explicou que o outro professor não conhecia o "mito do lenhador", tão bem explicado por mim. Reproduzirei o diálogo.


- Eu nunca ouvi falar em mito do lenhador, de onde você tirou essa ideia?
- Falou sim professora, na aula sobre a vocação agrária da América Latina.
- Lamento meu caro, mas tenho certeza que disso também não falei, eu dou aula sobre o período colonial da América Espanhola e até há três dias atrás, quando preparei essa aula, a qual você se refere,  ainda não tinha nenhuma tese que ao menos sugerisse um projeto industrializante para a América. Ademais, a Revolução Industrial começou no século XVIII e a América ainda era uma colônia sem nenhuma possibilidade de promover um desenvolvimento nesse setor.


-Olha, Campolina você dá aula e depois esquece, eu tenho testemunhas, todos da sala ouviram quando você falou do "mito do lenhador" e hoje quando fui usar essa mesma teoria no curso de História da África, o professor ficou horrorizado com o absurdo que você inventou.
-Eu? Não meu caro, quem inventou isso foi você, argumentei. 



Nesse momento, percebi que tinha que encerrar a discussão, era uma saraivada de impropérios que o rapaz falava sem me dar um segundo de trégua. Ficou meio possuído pelo ódio por eu me furtar à autoria do mais recente mito da mitologia agrária. Comecei a ficar apreensiva com um copo de refrigerante que ele trazia trêmulo à mão. A qualquer momento aquilo ia parar na minha cara, inventei uma desculpa e sai.

Chegando no quarto andar, encontro com o tal professor e ele, com cara de sábio, me interpelou como se estivesse conversando com um membro de sua própria família: " que raio de "mito do lenhador" é esse que você inventou?" Respondi prontamente:" e você não sabe? Sem dominar o  'mito do lenhador', você não explica os países do Terceiro Mundo". Estupefato, ele me olhou e se retirou em seguida tomado do mesmo temor que eu tive em relação ao estudante. Eu também estava com um copo de Coca na mão, quisera estar com um copo de ácido, o alvo estava a um metro de mim.


Voltando para casa, dentro do meu carro, local onde meu pensamento flui no compasso do trânsito, lembrei de uma frase que tinha falado na sala. "É pessoal, estudar a economia da América Colonial, é uma tarefa hercúlea dado às diferenças e singularidades das várias regiões do continente, melhor seria rachar lenha o dia todo, voltar para casa à noite e dormir tranquilamente". Eis a origem do "mito do lenhador".





Minha única preocupação é cair nas mãos de um médico que preste atenção nas aulas como esse estudante, aliás, um ótimo aluno, afirmam meus colegas.




quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A INÉRCIA DO SENSO COMUM





Há cenas na vida que tenho minhas dúvidas se algum dias elas já aconteceram ou se voltarão a acontecer. Acho que existem cenas únicas e eu fui testemunha de uma. Certas agressões físicas não acontecem porque as pessoas não têm coragem de aviltar ou ir contra o senso comum da sociedade em que vivem. Nunca vi ninguém gritar dentro de uma igreja, quando o padre está pedindo dinheiro para as obras sociais,  que ele é um salafrário e que devia trabalhar a pedir esmola para os paroquianos. Bem, na verdade, os párocos são protegidos pelos fiéis e enquanto isso vão vivendo à custa desses crentes e devotos. Nunca vi ninguém dar um show dentro de um banco ou supermercado quando os caixas enrolam, ao invés de atender ao cliente com a rapidez que a vida moderna demanda. Esses são exemplos banais e sem importância perto das barbaridades que vemos na rua, em casa, no trabalho, no governo, e nos omitimos, preferimos não mostrar a cara.

Em geral, o que acontece é curioso. As pessoas que se envolvem em situações que "não têm nada com isso" são execradas por todos, às vezes, até pelas vítimas de injustiças, exploração, etc... Somos cordeiros, somos covardes, apáticos e o pior, cegos. Parece que tudo que temos como cidadãos, nos foi outorgado pelo Estado ou que caiu do céu, um presente. Quanta ignorância! Houve muita gente que lutou, que foi à rua, que pegou em armas, que protestou e deu a própria vida para que a grande gama de silenciosos usufruísse dos ganhos.

Hoje morreu Nelson Mandela. A África do Sul chora e chora muito. Esse homem passou 27 anos de sua vida na cadeia, lutou  pela igualdade. Esse homem não foi um homem comum, foi um homem da estirpe de Las Casas, de Bolívar, de San Martin, de Gandhi, de Luther king, de Malcom X, de Guevara  e de muitos e muitos outros que cortaram a própria carne pela justiça, pela paz, pela igualdade, pela liberdade. Esses muitos e muitos outros não são nada perto dos bilhões de pessoas, que habitaram e habitam nesse planeta. A grande maioria desses bilhões é nada. Somos nada.

Eu tenho vergonha, se tivesse que encarar um desses super homens, não teria coragem, cairia de joelhos e pediria perdão, perdão cínico, perdão por inoperância social. Pediria perdão também aos médicos sem fronteira, aos bombeiros, aos salva-vidas, aos que trabalham pelo Outro, meu Deus, que vergonha. Que pessoa inútil eu sou e para os que assumem, que somos.

Hoje morreu Nelson Mandela e eu vi uma agressão ao senso comum, aparentemente simples, mas extremamente expressiva. A justiça foi feita com as próprias mãos.

Estava um Papai Noel em frente de uma loja de brinquedos, carregando uma saco de presente nas costas. Perto dele tinha um rapaz inteiramente alterado, xingando o "bom velhinho", sem o menor constrangimento. Papai Noel não respondia aos insultos que aumentavam em virulência e volume. O moço gritava com a voz embargada pelo ódio: "você, seu canalha, é um mentiroso, um analfabeto, nunca leu minhas cartas, nunca trouxe um presente para mim, nem para uma porção de gente que eu conheço. Eu te odeio Papai Noel. Eu tenho ganas de te matar todos os anos. A quem você dá presentes?  Você sempre me enganou e eu te esperei por vários anos. Você é injusto e mau.  Você não tem vergonha, seu infame, pífio, vil, ordinário e muitas outras palavras irrepetíveis. Papai Noel imóvel. Papai Noel, responda-me, meus pais também foram seus cúmplices? Sem resposta. Você é a criatura mais discriminadora que o sol cobre sobre a terra. Você é uma fraude Papai Noel.

Quando o golpe lhe foi desferido no meio da cara bochechuda, Papai Noel caiu no chão inerte, morto. O saco de presentes abriu e ali só se via caixas vazias e papel amassado. Os transeuntes passavam e olhavam para o "louco" com repugnância, os empregados da loja carregavam o Papai Noel para atirá-lo ao lixo, os donos da loja explicavam que aquele Papai Noel também era de mentira. O rapaz saiu andando a procura de outro Papai Noel, ele ainda queria uma resposta.










segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O LOUCO DA PRAÇA








Quem não conhece a figura caricatural do louco da praça? Até as crianças se sentem familiarizadas com aquele indivíduo, tido como um alienado mental, que se diz o dono da praça..."a praça é minha". Um dia recebi um texto de Danielzinho, meu amor, no qual ele relembrava o rio que marcou sua infância, o rio era dele. Esse é o ingrediente mais marcante do louco da praça, não é o caso de Danielzinho, mas é o caso de todos nós que nos sentimos proprietários da coisa pública, de cidades, de rios, de montanhas, de praias e sabe Deus o que mais.

Sinto que o escopo desse sentimento é infinito e irracional, podemos amar um lugar ao ponto de sentir ciúmes verdadeiros de qualquer um que por lá passe, olhe ou sinta o mesmo amor. Disputa inútil mas real. Eu tenho minhas propriedades que não gosto de compartilhar nem de brincadeira, aliás tenho ódio que alguém mencione o nome do lugar. Isso eu chamo de insanidade mental à moda do louco da praça. O pior é que são vários lugares e até mesmo situações corriqueiras que penso serem só minhas e atuo pela vida com esta certeza.

O Museu Histórico Abílio Barreto é meu. A rua Bernardo Mascarenhas é minha. Buenos Aires foi minha, quando alguém me falava da cidade, ficava nervosa, a cidade já tinha dona e ali estava um usurpador de cidades, isso eu não podia suportar.

Agora que estou há quase 10 meses em Madri, descobri que minha técnica para desapegar de tudo funcionou perfeitamente. Madri nunca sairá de minha memória, sei que todos os dias de minha vida algum fato me trará novamente a essa cidade, que tão bem me tem acolhido. Mas Madrid, como escrevem os espanhóis, não é minha, nem um pedacinho dessa cidade é meu. Eu não quero mais nada, imagine querer uma cidade? É chegar à loucura do "louco da praça".

A única coisa que sou dona absoluta, sem sócios ou coisa que o valha, é o meu pensamento, mas aquele que não divido com absolutamente ninguém. O pensamento é o único lugar onde o homem pode gozar da verdadeira liberdade.  Graças a Deus.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Madrigal Melancólico (Foram 20 minutos depois)

Lembrei-me ontem de uma amiga que encontrei há anos na rua e perguntei-lhe sobre o marido. Secamente ela me respondeu: separamos. Porque? Ela disse: porque eu deveria ter saído daquele casamento 20 minutos antes e estupidamente sai 20 minutos depois. Essa é uma coisa que sempre trago em mente, é uma ideia que me obstina. Porque a gente se deixa passar um segundo a mais na vida ao lado de determinadas pessoas (amigos e familiares entram nessa, mas no caso, o forte são os homens), quando poderíamos  ter saído 20 minutos antes?

Por coincidência recebi hoje uma poesia e cheguei a conclusão que só vale a pena ficar ao lado de alguém, se ela representar para a gente o que diz cada verso dessa poesia. Como sabemos, só se vive uma vez. Porque desperdiçar a própria vida, estando ao lado de alguém que não mereceria um simples aceno de nossa parte? O tempo não volta, esse maldito. Mas se voltasse, tenho certeza que todos os reparos seriam feitos nesse lugar, das relações humanas.

Madrigal Melancólico

Manuel Bandeira

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
 
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
 
O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
 
O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.
 
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.
 
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

História antipática, eu não a leria, mas não é ficção

Érico Veríssimo já alertava para o perigo de sentar-se junto a um desconhecido em um banco de praça. Segundo o renomado autor, em 15 minutos de conversa, as pessoas fazem um repasse da própria vida, em seus detalhes mais sigilosos. Sempre me perguntei o porque dessa abertura, dessa confidência tão fora de lugar. Hoje tenho consciência que as pessoas não contam a vida para um desconhecido, elas nem veem o desconhecido, elas simplesmente falam o que querem e já sabem que dali, certamente, não virão as censuras típicas dos ouvintes-amigos de histórias de vida do outro.

Eu estava sentada no banco de uma praça e ali assentou, bem pertinho de mim, uma mulher com o braço direito na tipóia e várias escoriações pelo corpo e rosto. De vez em quando dava uma gemida. De repente passou a gemer alto e eu me vi na contingência de perguntar:" a senhora está se sentindo mal? Precisa de alguma coisa?" Ela me contou a tragédia. Depois de quase 3 horas de banco na praça, já sabia que o filho mais velho demorava, quando nenêm, 45 minutos mamando em cada peito, pobre mulher! Contou-me várias passagens de sua vida, que pelo visto, não era das mais fáceis. O marido dava ataque de risos quando alcançava o orgasmo, ela tinha ódio e eu também. Contou que a filha de 17 anos era uma atrevida e que gostava de usar roupas de homem, não entendi, isso é tão normal.  Compadecida com as desditas da estrupiada, dediquei-lhe minha tarde. Ficamos amigas íntimas e inseparáveis. Mas o que realmente importa ao leitor são as escoriações de minha nova amiga. Lá vai.

Ela é enfermeira, chama-se Daluz. O acidente aconteceu dentro do hospital. Segundo Daluz, quando chega ao hospital um paciente muito grande e pesadão, a turma da enfermagem entra em pânico, sobretudo se o enfermo é uma mulher. Contou-me da luta que é para fazer a higiene da doente, colocar  e tirar a comadre sob uma mulher muito gorda, dar banho, etc...Mas o grande drama é na hora de trocar a roupa de cama, principalmente quando a doente não pode levantar. Foi nessa tarefa que o desastre aconteceu.

Ela e a companheira de trabalho, menos experiente, foram trocar os lençóis de uma criatura expressivamente acima do peso. A técnica é a seguinte: vira a paciente de lado com todo o cuidado, tira da parte livre da cama o lençol usado e já coloca o limpo que será passado por baixo do corpo da doente que deve ser virada, delicadamente, para o outro lado, já sobre o lençol limpo. A mesma coisa é feita do outro lado. Nessa ginástica os lençóis são substituídos e o assunto encerrado. Gotas de suor costumam acompanhar a função.

Nesse maldito dia a paciente meio agitada com o movimento, não colaborou com o rola rola dos lençóis e rolou junto em uma manobra nunca vista antes. Quando Daluz deu por si, estava no chão embolada com os lençóis, com a doente e com a ajudante, que na agonia de impedir o desastre, foi junto, passou por cima da cama e revirou sobre Dona Amarilda que jazia viva sobre minha amiga semi-desmaiada. O saldo foi o pior possível. Em geral, as camas dos hospitais são altas, e Dona Amarilda em queda livre deixou Daluz com um braço quebrado e escoriações pelo corpo e rosto, como mencionado acima. A ajudante não se livrou incólume, apesar de ter ficado por cima das duas. Ao cair, bateu a cabeça na cabeça da doente violentamente, está em coma com contusão cerebral. Dona Amarilda só levou um grande susto e teve todos os soros e aparatos médicos ligados novamente, depois de ser colocada na cama por 4 homens fortíssimos da Força Tarefa, chamado para socorrer a "gordinha" . A família vai entrar na justiça contra o hospital, acusando as enfermeiras de incompetentes.

Essa história é uma história triste, como disse Daluz: "as pessoas deviam ser magras, não por estética ou beleza, mas por caridade com seus cuidadores nos infortúnios da vida". Segundo ela, ninguém sabe o drama que os enfermeiros passam nos hospitais com pacientes gordos. Não é raro enfermeiros com sérios problemas de coluna, dores no corpo e para completar o quadro, ainda sofrem os desaforos dos doentes e familiares. A única parte divertida dessa tarde foi uma história que me contou Daluz, de ter precisado em uma ocasião, de 3 enfermeiras para tirar uma comadre debaixo de uma gorda. Como não conseguiram, tiveram que chamar um enfermeiro para ajudá-las,  indignado, Luisão foi na força bruta e bateu o corpo com comadre e conteúdo na parede ao lado da cama. Tomou banho com soda caustica e bebeu o que sobrou. Morreu.

Só conto essa história para que as pessoas, eu inclusive, fiquemos atentos para entender como nosso sobrepeso, pode aleijar uma pobre enfermeira e até matar os profissionais da saúde e de outras áreas.





segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O CRIME

O homem entrou na casa e antes de cumprimentar toda a família, sentada a sua espera, olhou para sua esposa e vociferou: "nossa, como você engordou, Antonieta"? A vingança estava concretizada. Pobre Antonieta, preferiria um tiro certeiro no meio da cara, a uma ofensa de tamanha magnitude e precisão. Como pode esse imberbe cometer o atrevimento de me insultar a frente dessa detestável família? Levantou-se furibunda para dar-lhe um tapa na cara lisa, mas tropeçou no maldito tapete persa e ali, como uma melancia rachada, lutava para se colocar de pé. Remo olhou para trás e disparou mais 5 tiros, os de misericórdia: "gorda, gorda, gorda, gorda, muito gorda". Antonieta o olhou com olhos mortiços e murmurou suas derradeiras palavras: "gorda não, Remo". Ainda no chão deu um sorriso próprio dos morimbundos orgulhosos perante o inevitável e morreu.

A história passou assim, vou contar. Antonieta e Remo foram casados por uns poucos anos, cinco ou seis. Ela, dona de si, com uma auto-estima bem além do merecido, rica por herança, analfabeta por pouca inteligência e bruta pela própria natureza. Remo, rapaz simples, bonito, sagaz nas ideias e comentários, emprego bom mas com baixa remuneração, era um lorde no "saber tratar". Casaram se por um sortilégio do destino e tiveram uma filha, horrorosa, menos pelo aspecto físico, mas por ser um clone da personalidade materna.

Mãe e filha se juntaram para humilhar Remo. Era daqueles prazeres inexplicáveis que certas pessoas sentem ao diminuir alguém. Remo não tinha barba, isso lhe valeu o epíteto doméstico de "o imberbe". A felicidade da mulher era colocar o marido em situação de constrangimento, Remo sempre calado. Antonieta, sem ter o que fazer, arrumou um emprego para "recrear suas tardes", foi ser contempladora da natureza. Saía correndo logo depois do almoço, já atrasada, e sentava em algum lugar bucólico, para à noite, escrever suas impressões sobre a natureza. Pretendia escrever um livro sobrenatural, explicava às amigas. Essas últimas, da mesma estirpe e psique alterado, já a chamavam carinhosamente de "Dostoieviska", único apelido compatível com o brilho da quase Nobel, Antonieta.

Extenuado pelas humilhações, Remo resolveu matá-la, só não sabia como seria o crime, podia ser à facadas, a tiro, por afogamento, tinha muitas alternativas, quem sabe por tortura? Afinal, Antonieta já lhe devia uns bons anos de humilhação. Mas o crime foi adiado, o patrão de Remo o designou para trabalhar em uma agência fora da cidade, ali ficaria por 6 meses. Remo partiu, imberbe e com ódio de Antonieta, da filha e das amigas que o encontravam na rua e antes de qualquer movimento, passavam a mão no rosto.

Voltou exatamente ao dia seguinte, quando completavam os seis meses previstos para estar fora de casa. O resto da história já sabemos. Remo ainda não sabe se a glória de sua viuvez se deve ao tombo ou à maldita palavra......GORDA.

sábado, 23 de novembro de 2013

Memórias

Eu queria escrever  muitas coisas, contar todas as minhas aventuras e esterilizar todas as recordações, as que já são e as que virão. Sinto saudades do Brasil, de BH, de muitas pessoas, inúmeras. Ficar um tempo fora do país é muito difícil, mas voltar é muito pior, não há glamour. O tempo para no dia da partida, mas para apenas para os que partem. A memória é uma faculdade mental imprescindível, mas cheia de caprichos, de idas e vindas. Ela se apresenta sem ser chamada. Como escreveu sabiamente Montaigne, " nada se imprime de um modo tão vivo em nossa mente como aquilo que desejamos esquecer".

Hoje estava ouvindo David Bowie e meus pensamentos viajaram para o passado, fui à Urbana, de onde sai em 1991. O coração me bateu como o dobre de finados, ouvia "Dancing in the street", amava essa música, mas ela podia ter ficado lá, minha tarde foi perdida. A memória às vezes é abusada, atrevida. Todorov escreveu: "ter sido vítima abre à pessoa uma linha de crédito inesgotável". Mentira, esse é um crédito ficcional, não há créditos para os infortúnios que podem ser inúmeros, há de siderar a parte triste do passado e buscar  alegria no simples fato de ser o que é. Esse é o autêntico rosto da vida.

O pensamento falava devagar como água caindo, gota a gota, olhava minha cara no espelho, notei que ele não tinha páginas, sou tal e qual sempre fui. Foi quando me dei conta que se as sombras caminham, porque não havia eu de caminhar também? Foi quando me dei conta com clareza que sou a timoneira de minha barca, em parte, no mais sigo o fluxo do meu destino. Ele é marcado por algumas tristezas indeléveis, e o pior, com regras do jogo incompreensíveis, mas necessárias, pois vivemos com adversários e nem sempre percebemos isso. Qual riso posso dar perante tal constatação? Um riso filosófico, nada mais. Quem respeitou algum dia essas regras ou se deu conta que se as respeitasse seria um ser humano melhor? Conheço algumas pessoas que as respeitaram, aliás, muitas.

Vou voltar a escrever, que seja uma frase por dia. A de hoje é: para que oxidar a vida se ela se oxida por si? Sempre falei às pessoas: preste atenção e eu não prestei, Vou voltar para BH e encontrar uma outra cidade, outras pessoas, não aquelas que estão em minha memória, paralisadas. A BH transformada pelo tempo, isso só nota quem saiu e voltou, ainda que por pequeno tempo. Mas é um tempo que se pode gerar, gestar e ter um filho, uma nova vida. O fenômeno está no poder indiscutível da realidade, ela, só ela tem a força de se impor, atuando para o Bem e para o Mal. Por isso é que uns dizem que a salvação ou o livramento da realidade pode ser o suicídio, o alcoolismo ou a loucura permanente, sem volta. Que trágico! Risos. O esquecimento é a melhor saída, eu acho.

Enfim, a compensação pelo peso de começar um tempo novo, é que esse tempo  está desintoxicado do passado. Talvez nada tenha mudado, só eu.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O DROGADO

Acho que qualquer tipo de dependência é um inferno na vida das pessoas. Até nos amores a dependência é nociva, sempre muito nociva. Os dependentes das drogas são grandes vítimas e não uns inúteis vagabundos, como as pessoas mal informadas as qualificam. Essa é a forma mais simples e indiferente de abordar esse transtorno que aflige milhões de jovens no mundo. Sempre fui muito sensibilizada pelo sofrimento dos drogados e sobretudo pela forma como são tratados pela sociedade. Estou parando de fumar cigarros convencionais, uma guerra sem um minuto de trégua. Os viciados em drogas mais pesadas que o cigarro, não me saem do pensamento. Consigo chegar perto, mas ainda assim distante, do sofrimento destas pessoas para se livrarem desse mal no significado clássico da palavra.
De vez em quando vem a minha cabeça umas trovinhas, essa me veio e a publico pelas razões acima mencionadas. (Elas deveriam aparecer como estrofes de 4 versos, mas o programa, por alguma razão, está desconfigurando.)
Não há um ser humano sequer,
Que sem viver no submundo da droga,
Conhecerá o inferno da vida do dependente,
Nem a tirania e a força que lhe afoga.
Sim, sinto-me como um afogado,
Enforcado, sujo e proscrito,
Enquanto meus amigos caminham e vencem,
Submeto-me às ordens do mais vil bandido.
Ajoelho-me aos pés desta corja,
Para me vender a qualquer preço,
Um pouco desse fel excomungado,
Tão bem manipulado pelo diabo.
Malditos sejam os traficantes,
Para eles desejo sem perder a paz,
Viver a eternidade buscando uma pedra,
A pedra que com suas vítimas na cova jaz.
Não é fácil viver a vida sem lugar,
Como uma estrela errante e odiada,
Não se escolhi ou fui escolhido,
Para à droga entregar meu corpo como abrigo.
Tenho pena de mim, sou ré confesso,
Como pesa carregar pela vida essa cruz,
Em meus delírios, a blasfêmia se impõe,
Que identifico em meu calvário com Jesus.