domingo, 20 de fevereiro de 2011

AS ENCOMENDAS E OS ESCOMENDADORES


A conversa já é mal parada de início. Aquela pessoa que a gente tem uma relação apenas simpática, te chama ao telefone para te desejar BOA VIAGEM. Os íntimos já estão com o golpe armado há mais tempo, só falta a oportunidade. Esse é o prenuncio da ENCOMENDA, que vem com a justificativa de saber que é a coisa mais chata do mundo. Acho mesmo que é do senso comum, que a coisa mais perturbadora em uma viagem ( que seja para o interior), é a tal listinha de encomendas. O viajante passa grande parte do passeio preocupado com o shampoo, o desodorante, o batom, a meia, a pasta de dente, a vitamina C, enfim qualquer coisa que o outro acha que pode ser encomendado. Isso é o fim da picada. É não se deixar esquecer.


A questão é que a viagem em si já tira a pessoa de seu natural habitat, logo encontrar coisas "que em qualquer mercearia tem", é no mínimo uma heresia. Aquele que está hospedado em um hotel, não faz turismo em supermercados e o que está a trabalho, só passa por supermercados para as compras da casa, o que já é demais. Nas cidades pequenas americanas a locomoção é feita de carro, as lojas não estão pertinho de casa e se a pessoa usa onibus (como é o meu caso), é um verdadeiro transtorno estar com pelo menos mais dois "quilinhos" no braço de encomendas. O "encomendador" pensa que só ele encomendou, antes fosse. São inúmeros pedidos que se você gentilmente atender, passará a viagem buscando as coisas mais inusitadas desse mundo.

Não posso entender uma pessoa que só usa a pasta de dente importada, o desodorante importado, o batom importado, o shampoo importado, o pós-barba importado, o fio dental importado, a aspirina importada e sabe Deus mais o que se pode inventar. O melhor é mudar para o lugar onde essas coisas estão à disposição, sem precisar passar a vida descobrindo quem vai viajar para disparar em encomendas


Ninguém pensa que existe limite de peso, que seus espaços nas malas valem ouro, que sair a procura de itens de toda sorte, é um inferno verdadeiro. A cor, a marca, o tamanho, nunca são encontrados, no primeiro lugar que procura, logo, dá-lhe perna para atender os pedidos. Se não os encontra, começa a viver o tormento de não levar a tal "coisinha"e perder um amigo por um simples tênis número 41, marca Nike, todo preto, com o símbolo em vermelho. Pelo amor de Deus, isso é prá matar um de desgosto.


Eu já vivi experiências absurdas, vou contar. Uma vez me pediram para comprar Henna em Barcelona (diziam ser a melhor do mundo). Depois de muito procurar, encontrei em uma farmácia a tal maldita Henna, ela estava na parte mais baixa da prateleira e bem ao fundo. A atendente era uma senhora velhinha que me sugeriu que pegasse para ela. Cena: eu deitada debaixo de um estante imunda, esticando o braço ao máximo, para pegar a encomenda. Bem, quando estava dentro do avião de volta, me chamaram pelo microfone. Sai do avião acompanhada por 2 policiais, que me levaram para a parte do bagageiro do aeroporto. Não entendia nada. Eles me perguntavam o que eu tinha dentro da mala e na inocência eu respondia que não tinha nada diferente de um turista comum. Foram 15 minutos de tortura, até que lembrei da Henna. Quando cheguei ao Brasil, a "encomendadora"morreu de rir do episódio e ainda comentou que fui presa em Barcelona por tráfico de cocaína. Essa foi uma. Tenho ódio dessa moça. Conto outra.


Estava em Urbana (EUA) e me telefonaram, que alegria! O cara queria sêmem de bode, estava pensando em criar tais bichinhos no Brasil. Ao invés de dizer NÃO, comecei a telefonar para os números que ele me deu, para perguntar quanto custava um quilo de sêmem, quanto ridículo e quanta vergonha. Provoquei muitos risos. Depois, fiquei me imaginando no aeroporto sendo motivo do escárnio dos caras da Receita. "É? a senhora então vai me dizer que tirou o sêmem dos bodinhos? Foi na bruta? Eles ficaram felizes? Sorriram? Está presa sua tarada. Prisão perpétua por "ordenhar" bodes." Conto outra.


Sabedor que minha filha estava nos EUA, um colega da universidade me perguntou se ela podia comprar uns pênis para a mulher dele, que dava aula de educação sexual. Pedi e ela que nada me nega, disse que sim. Eu sabendo de sua timidez, já previa os momentos inenarráveis que a pobre viveria. Tinha vergonha só de pensar em entrar em um loja e pedir 3 pênis (ele queria 3), um small, um medium e um large. A menina voltou para o Brasil com a encomenda na mala e o coração na mão. Como explicar tal mercadoria? Pecado não é, mas uma moça tão bonita importando pênis? Ah tem um detalhe, tinham que vir com o saco escrotal na base. Os pênis ficavam em pé, prontos para o ataque. Quando meu colega foi buscar a mercadoria, já chegou com uma cara de cão para não haver brincadeiras. Pegou os tres pênis tristonhos com a mão firme de macho e os levou para a esposa professora. Da porta perguntou: "Quanto é?" Falei o valor mas pensei, não tem prêço não, seu fdp.


Essas são algumas histórias de encomendas, tenho milhares, uma vida seria pouco para contar. Já trouxe peça de moto que sujou minha roupa com óleo, reprodução da Esfinge do Egito que quebrou e o cara não quis, botão de camisa, acetona para tirar esmalte, milhares de CDs, rolinho de cabelo, grampo, cigarro de cravo (sinto o cheiro até hoje), 12 camisetas para um gordo de 125 kilos que ocuparam a metade da mala, joguinho para criança, roupa de boneca, todo tipo de vitamina, escova de dente à pilha, apontador de lápis elétrico, partitura de música, coisas do arco da velha.


Como sou uma pessoa que devo favores a meio mundo, tenho uma sugestão a fazer. Quero pagar a todos com favores, mas com encomendas não. Posso fazer as seguintes coisas: representar em missa de sétimo dia na sexta-feira às 19hs; dar banho e cortar unhas de gato; passear com tia velhinha domingo à tarde; fazer uma torta especial no dia de Natal, ainda que eu tenha 20 convidados; assistir à apresentação da neta tocando flauta; conversar com o convidado estrangeiro na festa; dormir no hospital com a empregada operada; escrever um trabalho sobre a guerra do Vietnã para o filho vagabundo; acompanhar uma convidada sem par no casamento (já fiz isso); trocar uma calça no centro da cidade com o sol a pino; acompanhar o primo surtado no psiquiatra; distribuir folhetos de propaganda vestida de bailarina na Savassi; ajudar a escolher vestido de noiva em dia de intensa chuva e o que mais quiserem.


Ah, tem mais. Se você erra a encomenda ou não a leva, o "encomendador" com voz morimbunda diz: tudo bem e pensa: ORDINÁRIA! é crime não atender o pedido e crime inafiançavel não encontrar a encomenda, ainda que esteja em um lugar com a temperatura a 5 graus negativos. Afinal, isso não custa nada, concordam?


Meus amigos não me levem a mal, isso não vai para ninguém em particular, mas para o bem do povo e felicidade geral da Nação.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

CHUMBINHO











Foi assim, depois de 12 anos ele se foi. Quando chegou era tão pequenininho que podia dormir em uma caixa de sapato, não cresceu muito, só o bigode que precocemente apareceu aos seis meses de idade. Essa é a história de um cachorro, não um cachorro qualquer, era o Chumbinho. Escrever sobre ele dói mais que bala de revólver, mas como furtar-me a dedicar-lhe uma homenagem pública em que as lágrimas embaçam as letras.? Só de escrever seu nome, Chumbinho, fico com o coração apertado porque você era bonitinho demais, bonzinho igual eu nunca vi e no seu silêncio você se impunha como uma pessoa da família. O pior é que você era um cão, mas um cão só é um cão para os outros, você era o meu cão. Eu não sou de abraços e beijos com ninguém, você não foi uma exceção, mas você sabe que eu te amava.










Olha Chumbinho há coisas na vida que a gente não sabe explicar. Tentarei. Eu estou longe de nossa casa e hoje vi um esquilo morto na gramado de um jardim. Sua imagem me veio à cabeça de imediato. Ele estava com os olhos abertos tal qual você ficou quando se foi. Fiquei paralizada perante a cena e pensei, meu Deus que saudade dele, era a sua imagem. Era saudade que amarga a boca, saudade que dá vontade de correr sem rumo para ela despregar da gente, era saudade que eu trocaria um tempo da minha vida para te rever correndo, latindo para os outros cachorros, olhando para mim com os olhos pingados, procurando Paula pela casa quando ela não estava e eu falava seu nome. É saudade que essa palavra não contém a intensidade do seu significado.










E agora? Não tem mais agora para nós, nós já fomos. Quando contei à Virgínia que você tinha sido sacrificado foi a hora mais difícil, você estava sendo sacrificado, você estava doente meu Querido, essa barbaridade tinha que ser feita. Hoje fico pensando que sentir essa dor quer dizer que valeu a pena te ter. Você foi com a inocência de criança dormindo, isso me estraçalha o coração. Será que existe o paraiso dos cachorros? Será que a gente não se sentiria melhor se nas homilías os padres falassem da vida eterna dos animais? Seria um consolo para quem por essa perda está inteiramente inconsolável.










Você não morreu Chumbinho, vamos fazer de conta que a qualquer hora você chegará do banho todo saliente com gravatinha. Vamos fazer de conta que nada aconteceu. Vamos fazer de conta que você, meu cachorrrinho, só veio a esse mundo para me conhecer, para dar alegrias à Paula e depois ir embora. Missão cumprida com a galhardia de um cão. Amor para sempre, saudade pior castigo, insubstituível, nem um mágoa, nem uma traição, meu Chumbinho. Se todos fossem iguais a você, já ouviu isso? Seria mais fácil viver. Chumbinho.....










terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

CARREGA PEDRA E É MALTRADO: O COMERCIANTE


Isso já é histórico, o pior elemento que o sol cobre sobre a terra é o comerciante. Elemento odiado, inspirador da máxima "o mal necessário". Os judeus além de terem matado o filho de Deus, foram comerciantes. Sobre eles caiu durante séculos toda a ira da humanidade, grande injustiça, imperdoável injustiça, infâmia universal. O comerciante na concepção das pessoas é um ladrão contumaz, um explorador, paga pouco e cobra muito pela mercadoria, sem lástima.


Mais um mentira do mundo dos homens. O comerciante é amado, adorado, endeusado. Que seria de nós sem o comércio? Já passaram por uma cidade com o comércio fechado? Parece que a morte a visitou. Existe dia mais triste do que aquele em que as lojas estão fechadas? Há algo mais frustrante que correr a uma simples farmácia e ver que está fechada por luto ou outra razão de menor importância? O comércio é a alegria do povo, é vida, é a possibilidade de renovar as energias. Minha teoria é essa, experiência pura.


Observem um ambiente sem graça. De repente chega um com uma sacolinha e começa tirar coisas lá de dentro, o tumulto é certo. Se são comidinhas as pessoas surtam, se são bijoux as mulheres se estapeiam, se são maquiagens é outro delírio. O ponto ápice é quando a bacana da turma se interessa pela mercadoria, o desejo alastra igual peste, todas querem. O comerciante tem que pedir 'calma pessoal, há para todos'. Esse é um fenômeno que naturalmente já despertou o interesse de profissionais de todas as áreas. O vilão é sempre o capitalismo, o consumismo desenfreado, o "ter", detesto esse TER. Pode ser também o preenchimento do vazio com mercadorias. Balela!


Ao meu ver isso é da natureza humana, teorizar o comércio é teorizar a razão da existência. Não há consenso e menos ainda uma resposta. Nós gostamos de coisas. Nós gostamos de perfumes, roupas, sapatos, sofás, cortinas, batedeira de bolo, esmalte, flor artificial, guardanapo com desenhos, óculos enormes e pequenos, passadores, meias, chave de fenda com cabo de louça, cremes, maquiagens, toalhas de banho, roupas de cama, cinto, celular, canetas, bloquinhos, pandeiros, quebra-cabeça, lápis de cor, bonecas, carro, moto, enfim, nós gostamos de tudo que sabemos que existe e estamos irremediavelmente abertos para as novidades. O que seria de nós se o comerciante não fizesse a sua parte, preferível a morte em um garrote vil.


Minha esperança é que um dia as pessoas dirijam olhares mais complacentes aos comerciantes. É esse infeliz que sai na intempérie para atender a essa necessidade que ruge e urge dentro da alma humana. É o comerciante que carrega peso, que tem dor na coluna, que passa a noite acordado com as promissórias a pagar, ele sim, é uma vítima e os consumidores os algozes implacáveis.


Mas o melhor da história é a vingança invertida. As pessoas juram que nunca mais compram na mão de alguém por uma razão ou outra. Humilham o comerciante, viram a cara na rua, desligam o telefone quando algo lhe é oferecido. "Ali não ponho mais meus pés", essa é a palavra de ordem. Dia seguinte esse vingativo está comprando na mão de outro comerciante que é nada mais nada menos que a constatação do acerto marxista, não interessa quem é o patrão, o que interessa é a relação que se estabelece entre duas pessoas. FUI.