sábado, 11 de dezembro de 2010

SEM PALAVRAS




Há estórias que a gente conta e até Deus duvida. Essa aconteceu comigo e tenho uma testemunha. Estava eu de conversinha com minha amiga Andréia sob uma árvore de uvaia adornada com uma solitária frutinha remanescente da colheita. Nas grimpas. Aos poucos fui sentido um torpor inebriante, uma mareada salutar. Era o aroma da uvaia desemparceirada. Ele descia pelo caule fino da árvore e me envolvia sem dar lugar a qualquer contestação. O autoritarismo do aroma é como o da música, escorre pelas portas trancadas, pelas janelas cerradas, pelas grades de ferro, pelas cercas elétricas e exercem seu poder absoluto. Para livrarmos deles temos que perder alguns dos sentidos. São os donos do castelo.

A certa altura já não sabia como estava me portando com minha amiga, escutava ao longe sua voz, mas meu mundo era outro. A uvaia e aquele aroma tão peculiar me arrebataram por uns instantes da realidade. Eu me via correndo totalmente envolta no sortilégio da fruta. Por onde eu passava as pessoas eram contagiadas pelo aroma entorpecente que exalava do meu corpo. Percebi que uma paradoxal pequena multidão corria atrás de mim enlouquecida pelo meu rastro perfumado amarelo-ouro, se aroma tem cor. Delírio.

De súbito voltei a mim e continuei a conversar com minha amiga, acho que ela não notou minha saída do ar. Foi aí que aconteceu o inusitado. Passou correndo por nós um rapaz jovem. Eu, sem pensar, falei, ei moço apanha aquela fruta lá no alto para mim? Ele me olhou e de um salto sem nada dever aos felinos venceu os tímidos galhos da árvore apanhou a uvaia, desceu na mesma rapidez e me a entregou, como se a uvaia fosse uma camélia e eu a dama.

Com a uvaia na mão busquei em algum lugar dentro de mim um única palavra para dizer ao jovem. Confesso que poucas vezes as palavras me desafiam, mas naquele momento vivi onde as palavras são prescindíveis. Ele partiu e eu tenho a uvaia para sempre como o símbolo do gesto singelo imprescindível para se viver neste mundo. Andréia apenas sorriu.

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