segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O CRIME

O homem entrou na casa e antes de cumprimentar toda a família, sentada a sua espera, olhou para sua esposa e vociferou: "nossa, como você engordou, Antonieta"? A vingança estava concretizada. Pobre Antonieta, preferiria um tiro certeiro no meio da cara, a uma ofensa de tamanha magnitude e precisão. Como pode esse imberbe cometer o atrevimento de me insultar a frente dessa detestável família? Levantou-se furibunda para dar-lhe um tapa na cara lisa, mas tropeçou no maldito tapete persa e ali, como uma melancia rachada, lutava para se colocar de pé. Remo olhou para trás e disparou mais 5 tiros, os de misericórdia: "gorda, gorda, gorda, gorda, muito gorda". Antonieta o olhou com olhos mortiços e murmurou suas derradeiras palavras: "gorda não, Remo". Ainda no chão deu um sorriso próprio dos morimbundos orgulhosos perante o inevitável e morreu.

A história passou assim, vou contar. Antonieta e Remo foram casados por uns poucos anos, cinco ou seis. Ela, dona de si, com uma auto-estima bem além do merecido, rica por herança, analfabeta por pouca inteligência e bruta pela própria natureza. Remo, rapaz simples, bonito, sagaz nas ideias e comentários, emprego bom mas com baixa remuneração, era um lorde no "saber tratar". Casaram se por um sortilégio do destino e tiveram uma filha, horrorosa, menos pelo aspecto físico, mas por ser um clone da personalidade materna.

Mãe e filha se juntaram para humilhar Remo. Era daqueles prazeres inexplicáveis que certas pessoas sentem ao diminuir alguém. Remo não tinha barba, isso lhe valeu o epíteto doméstico de "o imberbe". A felicidade da mulher era colocar o marido em situação de constrangimento, Remo sempre calado. Antonieta, sem ter o que fazer, arrumou um emprego para "recrear suas tardes", foi ser contempladora da natureza. Saía correndo logo depois do almoço, já atrasada, e sentava em algum lugar bucólico, para à noite, escrever suas impressões sobre a natureza. Pretendia escrever um livro sobrenatural, explicava às amigas. Essas últimas, da mesma estirpe e psique alterado, já a chamavam carinhosamente de "Dostoieviska", único apelido compatível com o brilho da quase Nobel, Antonieta.

Extenuado pelas humilhações, Remo resolveu matá-la, só não sabia como seria o crime, podia ser à facadas, a tiro, por afogamento, tinha muitas alternativas, quem sabe por tortura? Afinal, Antonieta já lhe devia uns bons anos de humilhação. Mas o crime foi adiado, o patrão de Remo o designou para trabalhar em uma agência fora da cidade, ali ficaria por 6 meses. Remo partiu, imberbe e com ódio de Antonieta, da filha e das amigas que o encontravam na rua e antes de qualquer movimento, passavam a mão no rosto.

Voltou exatamente ao dia seguinte, quando completavam os seis meses previstos para estar fora de casa. O resto da história já sabemos. Remo ainda não sabe se a glória de sua viuvez se deve ao tombo ou à maldita palavra......GORDA.

2 comentários:

  1. Conto instigante Cristina! Estou contente de lê-la aqui novamente.

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  2. "E o verbo se fez carne" e como tal tem grandes poderes! Escrever para vc é uma necessidade vital; que bom! A sua palavra nos anima, nos dá vida.

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