sexta-feira, 9 de abril de 2010

O MAIOR INVENTO DA HUMANIDADE








A maior invenção do homem é a sacola. A sacola é a síntese da vida, ali vai de tudo um pouco. Há dias, que saio de casa com um monte de coisas incompatíveis, porém, sabiamente, do meu ponto de vista, acopladas dentro de uma coisa a qual foi convencionado dar o nome de sacola. Quem será o iluminado que teve a genialidade de inventar uma coisa que supera, e em muito, a qualquer outro invento? E olhem que a coisa já vem lá da Antiguidade. Toda vez que enfio itens díspares dentro de uma sacola gosto de me torturar pensando, e se ela não existisse? Eu certamente morreria.

Se está ameaçando chuva, preciso carregar uma sombrinha, tenho que levar um bolo para minha mãe, minha amiga me pediu dois livros emprestados, tenho que levar o ferro elétrico para consertar, preciso levar um par de sapatos rotos para dar-lhes uma sobrevida, vou devolver uma xícara de açúcar que tomei emprestado, prometi fazer uma doação para a campanha do Kilo, imaginem como poderia transportar tudo isso de uma única vez na ausência de uma  ou duas sacolas? Foi daí que comecei a prestar atenção nas coisas que usamos no cotidiano e as tratamos como se elas tivessem aparecido no mundo como por encanto. No entanto, elas são geniais e demandaram a imaginação e a dedicação de um nobre e não consagrado criador : um anônimo. A sacola é uma dessas invenções, deu até origem a uma das mais dignas profissões, a sacolagem e daí as sacoleiras, invejável atividade comercial. A sacola é a celebração máxima da vida literalmente carregada. Quem a inventou tem o meu reconhecimento póstumo.

Obsessiva por tão “retardatária” percepção passei a dar um tratamento vip, diferenciado, meigo, humano e solidário às sacolas. Olho para elas com amor sincero e eterno. Sou escrava dessas “enfia tudo em mim”. Há de todos os tipos e para todos os gostos. Algumas são intrépidas e arrebentam na hora H. Nós, ingratos, as desqualificamos e as chamamos de ordinárias. Mas, é coisa do momento, o arrependimento é imediato quando vem a prima socolilda substituir a “de segunda classe”. Elas são imprescindíveis em todas as situações. Fazem parte da família, do comércio, da vida dos catadores de papel, do sexo seguro (as camisinhas são sacolinhas ajustáveis nos ínfimos e nos desmesurados) do “welfare state”, elas são simplesmente a seiva da vida armazenada. Sacolas, minhas queridas, eu as amo. Vocês são a essência da minha vida, vocês são o símbolo da discrição dos homens, vocês são amigas fidelíssimas, dentro de vocês está amontoado um arsenal de segredos. No entanto, ninguém lhes dá o amor do qual são merecedoras. Doravante, vocês têm em mim a maior admiradora, defendê-las-ei até que a morte nos separe, isso se não for vítima de um esquartejamento e meus restos mortais  serem transportados dentro de vocês. Unidas na eternidade.

Viagens, ninguém nesse mundo se desloca de um lugar para outro sem levar uma sacola, óbvio que a coisa se desdobrou e virou mala, maleta, valise, não importa, todas são derivadas da nobre e para sempre nossa, “sacola”. O caos estaria formado se ao fazer o “check in” em um aeroporto tivéssemos que colocar todos o itens, um a um, na esteira, e ficássemos sujeitos aos olhares curiosos dos outros passageiros, logo, a sacola e suas variáveis nada mais são que caixinhas de segredos ou vergonhas. São elas que nos resguardam do que não somos e aparentamos ser, são elas que não deixam que a humanidade saiba que nem sempre a nossa roupa de baixo é condizente com a de cima, que as meias, no mais das vezes, estão gastas e têm os elásticos relaxados, que as nossas escovas de dentes são arreganhadas, que nossas camisolas e pijamas são trapos e nós as assombrações noturnas (causa do insucesso de muitos casamentos).

Elas são sempre solidárias com as faltas de educação nas festas, quando as enchemos dos restos festa justificada pela idéia de que fizemos um vantajão, são elas que nos protegem contra os julgadores que gostam de saber que livro compramos ou que video alugamos nas locadoras, são elas também que não deixam o vizinho perceber que quando descemos elegantemente pelo elevador, estamos com um potinho lacrado para levar ao laboratório para descobrir o tipo de vermes que damos guarida. Para tal ocasião usamos uma sacolinha dourada dos chocolates Godiva. São essas grandes amigas que nos economizam o tempo, levando de uma paulada só um montão de coisas, que de outra feita teriam que ser carregadas atabalhoadamente mundo afora.

Para que as sacolas sejam reconhecidas oficialmente como a peça número um da vida, pensemos em fazer uma compra no supermercado prescindindo dessa genial invenção. Bolsas não existem, é claro que elas não passam de sacolas sofisticadas. Então você leva nas mãos a lista das compras, a carteira, o cheque, seus documentos pessoais e, no caso das mulheres, um batom e um pente. Depois da compra feita começaria o inferno.

O saco de arroz, feijão, açúcar, sal, trigo e sabão em pó, iriam empilhadinhos em um dos braços. Debaixo do outro braço, os detergentes, limpa vidros, ceras para brilhar onde pisamos, (obsessão); entre os dedos de uma mão iriam os frios fatiados, já os sabonetes, desodorantes, pastas de dente e fio dental caberiam dentro do sutiã, que não passa de uma sacola de valor inestimável para nós, as mulheres, que lutamos contra a queda livre da sobreloja. Os frangos e as carnes, naturalmente, embrulhados, iriam amarrados na cintura, os rolos de papel higiênico estrategicamente enfiados no cabo de uma vassoura comprada para esse fim, essa, aliás, enfiadinha no canto do sovaco. Amarrados sobre os pés jazeriam duas latas de óleo, nas pernas os biscoitos, nas costas poderíamos prender com muito jeito os congelados (pneumonia certa), sobre os ombros estar a manteiga de um lado, e o vidro de requeijão de outro.

 Na cabeça, com jeitinho, daria pra equilibrar sobre uma peneira as frutas e os legumes. No pescoço? Ah este seria perfeito para pendurar os apetrechos da feijoada. O bacalhau amarrado na presilha da calça (lugar pouco estratégico, mas útil). A outra mão estaria livre para cumprimentar algum amigo que porventura estivesse no mesmo ponto de espera do ônibus. Ah, me esqueci, não tendo lugar para levar o cheiro-verde, pendurá-los-ia nas orelhas, e o jornal, encomendado pelo marido leitor entre os dentes, à maneira das mordaças.

Meu reino por uma, só uma sacola. Não há vida possível sem elas.

SUGESTÃO: as sacolas merecem um busto na Praça dos Poderes em Brasília, com uma bandeira do Brasil hasteada ao lado, ainda que seja a meio pau. Um dia do ano será feriado em homenagem à augusta sacola e nesse dia, os Dragões da Independência, unidade mais elegante do Exército Brasileiro, lhes renderá homenagem com a tropa perfilada cantando o Hino Nacional.

3 comentários:

  1. Adorei! As sacolas escondem o que / quem realmente somos! Revelar seu conteúdo é expor o que há de mais pessoal! E viva as sacolas de plástico, de papel, descartáveis, recicláveis, etc!!

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  2. Fiquei pensando no verdadeiro caos em que viveríamos se elas (as sacolas) não existissem... Pela sua descrição da compra no supermercado, no caso da inexistência delas, nos tranformaríamos em "carregadores-de-suprimentos-que-se-parecem-carmens-mirandas-extraterrestres-ou-foliões-de-uma-escola-de-samba". Genial!

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  3. A sacola revela-nos? Sim, é possível que assim seja... Sobretudo quando somos, digo, alguns de nós, ordinários: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/759707-ecobags-ficam-contaminadas-com-bacterias-perigosas-para-a-saude.shtml (vi e lembrei imediatamente desse texto da profa. Campolina)
    Então, talvez reste-nos apenas os bustos ordinários (afinal, deveriam lavar as tais ecobags!) e as sacolas. E, por que não o busto da sacola na Praça dos Poderes? Justo.

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