quinta-feira, 1 de abril de 2010

YASMIM, A MOÇA DO NOME PERFUMADO VINGANÇA IV



Jovem, muito jovem, tímida no falar e no sorrir, Yasmim, a menina de nome perfumado, era a graça celestial da pequena cidade litorânea conhecida como Mirada da Sereia. Esse exótico nome atraía levas de turistas, fervorosos bandeirantes a procura do paraíso terreal. Yasmim, a menina de nome perfumado, trabalhava em uma pequena tenda à beira mar, onde seu pai vendia bebidas e peixes para os estrangeiros. Yasmim era a escrava do prazer dos banhistas, em época de temporada os dias corriam sob seus pés. Yasmim respirava porque esse ato não tomava tempo, no mais era só trabalho, trabalho sem recompensa ou reconhecimento.

Quando a menina com nome de flor completou 13 anos, foi covardemente violentada pelo cunhado, o noivo de sua irmã Mirtes. Seu Matias era um homem rude, já adentrado nos cinquenta anos, solteiro convicto, avesso a qualquer compromisso que colocasse em risco à integridade de suas propriedades. O famigerado Matias era o homem rico da cidade. Um dia ele resolveu se casar, precisava de uma dama de honra na virada da vida. Mirtes, a feiosa irmã de Yasmim, foi a eleita pelo vestuto homem, para ser sua esposa abençoada pela Santa Madre Igreja Católica, Apostólica e Romana. Mirtes seria a princesa consorte do pequeno reino do anormal Matias, essa glória levaria para o túmulo. Glória inglória e nefasta.

Ameaçar a realização dessa abençoada união era uma idéia que Yasmim não tinha quando contou aterrorizada à mãe o sucedido. Dona Madalena, mulher de parcos recursos mentais, tomada pelo temor que as coisas desandassem para a família, caso o casamento não acontecesse, excomungou Yasmim. Deu lhe uma bofetada na cara, acusou-
a de menininha sem-vergonha, invejosa da sorte da irmã e provocadora de homens. Logo depois foi a vez do pai, espancou a menina sem piedade e jurou-lhe de morte se revelasse a alguém sua fraqueza tentando, como o diabo, o pacato sr. Matias, "seu honrado futuro genro". Assim, na feliz idade de 13 anos, Yasmim foi apresentada a uma das várias facetas do mundo real que até então desconhecia: as famílias guardam segredos, os mais hediondos e miseráveis, pelo bem de todos. Vivendo e aprendendo. Yasmim aprendeu e silenciou-se. Aqui residia o perigo.

Depois de saciar seu lado animal, o famigerado noivo foi até à delegacia e contou a Jeferson, o delegado, as travessuras de Yasmim e a impossibilidade de se ver livre do assédio da pequena demônia. Informação melhor não poderia obter o amaldiçoado delegado que exercia o poder na cidade através das mais inimagináveis arbitrariedades e covardias. Jeferson era temido e odiado pela população de Mirada da Sereia. Depois de longa conversa com o proprietário da cidade, revoltado com o impropério que acabava de tomar conhecimento, prometeu-lhe proteção da fúria da menina de nome perfumado e corpo tomado por satanás. Essa mesma atitude teve Dom Mariano, o santo padre que por motivos inexplicados já tinha passado por onze paróquias desde que recebeu os votos sagrados. Yasmim tinha que ser exorcizada e ele seria o exorcista.

Depois daquele dia que melhor seria não ter vivido, Yasmim, viveria seu pequeno Vietnã. Seu pai, o Murilão do Peixe, como era conhecido na redondeza, mudou o comportamento com a menina de nome perfumado. Olhava para ela com ares de luxúria e nunca deixava de fazer um comentário obsceno quando estava a sós com a filha. Passava-lhe a mão no rosto de maneira tal que Yasmim arrepiava como um ouriço tamanho o pavor pelo odiado progenitor. O delegado furtando-se às obrigações de fazer cumprir a lei e proteger a menor, sorria com sua dentuça amarelada para Yasmim que não entendia a simpatia súbita. Dom Mariano, o psicopata de batina, só faltou usar um fórceps para arrancar de Yasmim no confessionário os detalhes do dia do sinistro. Yasmim nada falava, ela era inocente, não era a autora do pecado. E o último personagem que surgiu para infernizar a vida da menina ultrajada e indefesa foi Leopoldo, seu único irmão. Este potencializou o desejo latente que tinha por sua irmã caçula em forma de passadas de mão desavisadas e encostadas lascivas no corpo frágil de Yasmim.

O tempo passou e Yasmim tornou-se mulher. Desde o dia do acontecido, as insinuações e perversões daqueles homens tornaram-se um ataque direto e implacável. Se no princípio Yasmim menina, a do nome perfumado, resistiu lutando bravamente contra os selvagens, Yasmim moça, cedeu. Alternava entre os cinco amantes, o provecto sr. Matias, o temido delegado Jeferson, o padre Mariano PP (pecado e perdão), o lesado Murilão Peixe e o mentecápito Leopoldo. Ela sabia como agradá-los, com o riso mais insinuante e o andar de ninfeta na primavera, Yasmim os levava ao delírio, para cada um tinha um artifício, um jogo de pélvis particular. Em pouco tempo a vítima foi se transformando em algoz, Yasmim os subjugou, um a um, seu perfume exalava a cada vez que seu nome era pronunciado. Ela lhes inspirava um fanatismo religioso, impossível de ser superado. Yasmim era o néctar do abominável quinteto. Eles, os brutos, a amavam. Há diferentes formas de amor,inequivocamente.

Um belo dia, chegou em Mirada da Sereia um fotógrafo suiço. O homem era um pedaço de Jesus Cristo, alto, olhos cor de mel e do próprio cabelo, sorriso discreto, sedutor, voz mansa e baixa, corpo na exata medida do pecado. Era a encarnação do conceito de beleza universal, sem lugar para polêmicas. Ao conhecer Yasmim, a filha do dono da barraca de peixes, por ela se encantou irreversivelmente. Esqueceu se dos pais, das glamourosas esquiadas nos Alpes no mês de fevereiro e da pátria. Yasmim, só Yasmim, a moça do nome perfumado, existia para ele. Ali, na areia, à luz do céu e com o aval do Pai, começou o mais louco idílio amoroso já vivido na pequena cidade e num raio de mil quilometros de todos os pontos cardeais. O estrangeiro amou Yasmim como só se ama uma vez na vida. Ensinou à moça do nome perfumado o mundo e a manejar a complicada máquina fotográfica. Yasmim aprendeu tudo, o mundo e a complicada máquina fotográfica.

Com a máquina à mão Yasmim passou a tirar fotos, fotos eróticas para delírio de seus amantes. Eles se submetiam aos sortilégios da menina e também aos seus caprichos e fantasias sexuais. Eram muitas as fantasias de Yasmim, fantasias de uma mente tomada pelo ódio de quem finalmente conheceu o amor. Yasmim amava o estrangeiro.

Às vésperas do carnaval a pacata cidade Mirada da Sereia amanheceu surpreendida por um grande outdoor na praça, bem defronte à Matriz de Nossa Senhora dos Milagres. Ali estava anunciada a grande surpresa para a festa momesca, um novo bloco sairía no desfile programado para o domingo à noite. Mas o bloco tinha urgência, saiu no domingo de manhã em forma de grandes estandartes cuidadosamente colocados em pontos estratégicos da cidade. Com o conluio do estrangeiro, já sabedor das barbaridades que vinha sofrendo há anos a moça de nome perfumado, organizou as fotos à perfeição e a homenagem foi feita.

No adro da igreja estava o presente "para as beatas da cidade". Dom Mariano, com a batina aberta exibia um diminuto orgão rezador em posição de resignação. Trazia preso no alto da cabeça uma fruteira à la Carmem Miranda, as mãos postas, os olhos se entreolhando com a mesma rigidez que escutava os pecados horríveis do moradores da cidade. Nos pés calçava uma meia curta branca e um sapatinho 'boneca' preto.

Em frente à delagacia a homenagem foi rendida aos "homens covardes da cidade". O delegado Jeferson vestido de coelhinha da Play Boy na cor rosé, os joelhos ligeiramente flexionados cobertos pelas mãos cabeludas com as unhas pintadas de vermelho. A boca adentrada na cavidade oral, sua dentadura? Sabe Deus onde estava na hora de tão emocionante festinha. Nos pés calçava uma meia curta branca e um sapatinho 'boneca' preto.

Na esquina da casa de Seu Matias, "Mirtes, a feiosa" recebeu seu presente de carnaval. O poderoso proprietário da cidade aparecia de perfil vestidinho de mulher grávida, com uns 7 ou 8 meses. A cabeça virada para trás olhando com um certo sorriso as nádegas rendidas e em pêlo, o vestido não tinha costas. Nos pés calçava uma meia curta branca e um sapatinho 'boneca' preto.

Na porta da casa de Dona Madalena, "a mamãezinha do coração" apareciam abraçados em um grande outdoor os dois machões da família, Murilão do Peixe e Leopoldo, ambos nus olhando lascivamente para o sexo do outro. Nos pés calçavam uma meia curta branca e um sapatinho 'boneca' preto.

E para o deleite da cidade os 3 estandartes e o grande outdoor apareciam juntos em frente à prefeitura. Uma faixa negra enorme os envolvia com os dizeres: "Yasmim deseja um alegre carnaval aos amorais habitantes da maldita cidade de Mirada das Sereias com o lançamento do Bloco dos Sapatinhos Pretos"

Ninguém nunca mais pôs os olhos em Yasmim, os festejos do carnaval foram suspendidos e Mirada da Sereia entristeceu, seus segredos foram revelados.

A vingança pode ser feita com um simples clic, o clic detonador.

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