quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O ESPANTALHO




A origem dos espantalhos eu não sei, imagino que a estratégia de usar um boneco como se fosse um homem para afastar os pássaros das plantações, seja bem antiga. Seja ela qual for e tenha o espantalho a função que tiver, eu os admiro, talvez porque os associe com o fresco e inebriante perfume dos pomares. Ali estão dia e noite, impassíveis, circunspectos, silenciosos, cumprindo a eterna vigilância não remunerada.

Às vezes penso que os espantalhos têm alma. Uma alma distinta, uma alma apaziguada, expectadora do vai e vem do mundo, executora impassível das ordens que lhe são dadas pela natureza. O vento determina o ponto cardeal de sua mirada, a chuva o encolhe um pouco, ele resiste, sabe que virá o sol, o sol também o pune e ele resiste, virá a noite, resiste às intempéries e até às pedradas atiradas pelas crianças. Ah, quantos são os tormentos que padecem os espantalhos.

O que mais me fascina no espantalho é o poder que ele detém. Sem dar uma palavra, sem cometer uma violência, sem uma arma à mão, ele comanda e ordena o mundo ao seu redor. Ele impede que os pássaros, tão lindos, biquem com ferocidade as frutas indefesas. É um protetor de plantão 24 horas, é o anjo da guarda das macieiras, dos arrozais, das figueiras e de tantas outras.

Enfim, o espantalho é o senhor absoluto do pomar e vai além, sua figura é presente no pesadelo das crianças, é confundida com enforcados pelos bêbados noturnos, é ameaçadora quando se move em um momento inesperado. Ele é um contemplador da natureza, pela própria natureza de sua criação, é um livre e discreto observador.

Não compreendo porque as pessoas se sentem ofendidas quando alguém as qualifica como um espantalho. Afinal, ele não passa de uma representação poderosa do homem, homem que no pomar não conseguiria espantar os pássaros e inequivocamente sucumbiria aos mandos e desmandos da natureza. Sem um movimento autônomo o espantalho é um herói imbatível. Grande invenção essa.
Que glória seria se me fosse dada a faculdade de transformar-me em espantalho algumas vezes. Teria o invejável poder de afugentar a intromissão de pessoas nefastas em minha vida sem a devida permissão. Assim como o espantalho, o faria silenciosamente, sem arma, sem violência, mas sem perdão.

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