domingo, 16 de maio de 2010

SAIR DO MUNDO IV


Hora de levantar, olhei por baixo das cadeiras e não ví nenhum pézinho, imagine alguém aparecendo de súbito na sua frente em pleno início da evasão do ócio. Comecei a tarefa de “surgir” com prudência, cada movimento era pensado e acompanhado por alguns segundos de total imobilidade. Até que me assentasse na cadeira com a dignidade dos que ali estavam legalmente, tive que exercer a prática do contorcionismo, tudo doía. Começando pela cabeça, era fome, o pescoço, foi o travesseiro, os braços, sem dúvida dormí sobre ambos, a coluna, desencarrilhada, as pernas, dormentes, e os pés, acho que passaram a noite em posição de morto, cada tentativa de aprumo eram fincadas distribuidas pelos quatro pontos cardeais desse trapo, eu. Depois de “trabalhar”, como dizem os alternativos, o relax, notei que o filme era outro, tinha tempo para assistir mas antes ia ao banho de pia, um suplício.

Discretamente sentei ao lado de um casal jovem. A donzela tinha nas mãos um saco de pipocas, um copo de Coca e uma barrinha de chocolate. O rapaz era educadinho mas a mocinha tanto tagarelava como comia as pipocas às mãozadas, enchia a boca e bochechava e gargarechava com a pretinha, coisa de irar qualquer um. O fato é que o namorado ficou sexualmente atraído pela grulhenta impolida, começou a bolinar a bichinha e ela, resistente à princípio, cedeu à popica, desprezou as pipocas, largou de lado o saco já pelas metades, e se esqueceu da pretinha babujada. Foi a minha salvação, tomei um lauto café da manhã, o chocolate foi a sobremesa, simplesmente opíparo. Aí bateu-me a dúvida, mudar de lugar para não ser acusada de roubos de pipocas e Coca usada ou ver até onde ia aquela pouca vergonhagem. Decidi pela segunda opção, o filme ficaria para depois, tinha tempo. Fiquei quietinha, mas de olho.

O trem pegou fogo, a mocinha não era desse mundo, beijos daqueles de tirar o ar eram fichinha, êle, o rapaz, que no começo pareceu-me o danado, não controlava a situação que êle mesmo criou. No que o aparente entrão arriscou a mão meio trêmula na sobreloja da quentona, ela ordenou, pega firme cara e com a mão esquerda segurou o orgão assustado e até arrependido do coitado, grande provocador da fuxicação. Pelo movimento do cara tentando puxar o corpo prá trás saquei logo que a moça foi na bruta. Inebriada pelo desejo que lhe ardia sem tréguas a moça manteve a força, só isso explica o sussurro do infeliz, larrrga diaba, isso aí não é iôiô não. O pior é que quando êle a abraçou a carinha do inexperiente sacana ficou de frente para meu lado direito, foi dureza ver tudo sem virar o rosto. Entretanto, nessa hora que era de dor, dei fôrça, virei levemente o rosto, também desfigurado pela loucura da qual era testemunha ocular e em solidariedade fiz o sinal da Cruz. Envergonhado, Patrício, esse era seu nome, apertou os olhos e repetiu, larrrga. Acho que era um moço de família. Foi cumprir a obrigação de tirar um sarro no escuro e caiu na armadilha de uma mulher guiada pelo príncipio da volúpia. Eu de olho. A coisa ia esquentar porque aquela não era mulher de deixar barato. Êle, o culpado de tudo, que ao invés de deixá-la comer furiosamente as inofensivas pipocas e conversar em pleno filme, quis ser “gentil”, mostrar o quão romântico e macho era, tomou.

Não sei se por necessidade de apoio ou de alguém que no pós-sarro rezasse por sua alma, Patrício tomou-me como conselheira através de um código que criamos na hora. Enquanto Ronilda, (até disso eu já tinha conhecimento porque uma hora êle falou com ela, você é linda Ronildinha, eu pensei, que falta de gosto seu bicha) tentava abrir o fecho da calça de Patrício, êle incomodado olhava prá trás, pros lados, mas cutuquei-lhe o braço e fiz um sinal de “barra limpa”, vai firme cara porque hoje é hoje. Nisso ela abaixou e pôs a boca onde o capeta tava solto, acho que a meio pau, Patrício olhou prá mim e eu, a cúmplice fiz aquele olhar de “fazer o quê?” Patrício chegou ao climax e que vexame, de mãos dadas comigo. Tudo terminado, eu, extenuada pela imoralidade alheia, olhei para o gozador, sorrí e pensei, filho da puta. Mudei de lugar, precisava dormir. Voltei para o final das fileiras, fiz minha caminha e até a próxima. Acordei com um pézão na minha cara. Odor para exportação. (Continua no SAIR do MUNDO V)

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