sexta-feira, 14 de maio de 2010

SAIR DO MUNDO I ( Série I II III IV)








Hoje ninguém me acha nessa cidade, vou tirar o bloco da rua. Com essa idéia fixa na cabeça peguei uma muda de roupa, um sabonete e bye bye. Com o pé na rua comecei a pensar, e agora? Para onde vou? Quero desaparecer do mundo, não suporto nada, nem a respiração humana. Quero desaparecer. Se isso só é possível com o suicídio, resolvi, como paliativo, passar umas horas no anonimato total, pequena saída. Entrei no cinema. Eram duas da tarde. Tudo escuro, que felicidade meu Deus. Àquela hora só tinham oito pessoas na platéia. Sentei em lugar discreto e sem saber qual era o filme ou os artistas. Comecei a observar os meus companheiros de deleite em hora oficial de trabalho. Dessas oito pessoas, não sei se aposentadas, endividadas ou sem o que fazer, seis eram homens e duas mulheres.

Os homens eram todos do tipo pouco apreciáveis à exceção de um que parecia estudante gazeteando aula. Cada um se assentou em uma fila ajeitando e deitando o corpo, ora suspirando, ora tossindo, ora bocejando, o relax era total. Nisso um dos homens deu um bocejo chorado e gemido. Eu sempre tive antipatias de quem emite sons eróticos no pós-bocejo, mas noto que essa característica é mais comum que imaginava. O pior é que o raio do “abrir boca” pega e aí, de um bocejo único, seguiram mais oito formando uma pequena orquestra de câmara sem maestro. Um deles não conseguia completar o prazer do bocejo e passou os primeiros dois minutos de propaganda que antecedem o filme, na luta entre a boca escancarada e os espasmos do bocejo frustrado. O som da puxada de ar desse cidadão alterou a respiração de todos nós, eram bufadas e estrebuchos de todo lado. Quando o incompetente conseguiu completar o bocejo a contento, soltou um uivo tão agudo que um dos “cinéfilos”, quase sufocado, vociferou, com voz esganiçada quer matar a gente ô tísico? O infeliz, agora outro homem, com as forças recuperadas pelo antológico e cinematográfico bocejo respondeu um sonoro vai à merda seguido de um sem-educação acompanhado de um é a mãe. Comecei a gostar, a tarde seria animada, a turma era das quentes. Dei uma olhada geral e saquei, aqui só tem gente “sem berço”. Detesto essa metáfora. Até parece que ter berço é sinal de estirpe e boas maneiras. Conheço gente nascida em berço de ouro e nem por isso.

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