quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A INÉRCIA DO SENSO COMUM





Há cenas na vida que tenho minhas dúvidas se algum dias elas já aconteceram ou se voltarão a acontecer. Acho que existem cenas únicas e eu fui testemunha de uma. Certas agressões físicas não acontecem porque as pessoas não têm coragem de aviltar ou ir contra o senso comum da sociedade em que vivem. Nunca vi ninguém gritar dentro de uma igreja, quando o padre está pedindo dinheiro para as obras sociais,  que ele é um salafrário e que devia trabalhar a pedir esmola para os paroquianos. Bem, na verdade, os párocos são protegidos pelos fiéis e enquanto isso vão vivendo à custa desses crentes e devotos. Nunca vi ninguém dar um show dentro de um banco ou supermercado quando os caixas enrolam, ao invés de atender ao cliente com a rapidez que a vida moderna demanda. Esses são exemplos banais e sem importância perto das barbaridades que vemos na rua, em casa, no trabalho, no governo, e nos omitimos, preferimos não mostrar a cara.

Em geral, o que acontece é curioso. As pessoas que se envolvem em situações que "não têm nada com isso" são execradas por todos, às vezes, até pelas vítimas de injustiças, exploração, etc... Somos cordeiros, somos covardes, apáticos e o pior, cegos. Parece que tudo que temos como cidadãos, nos foi outorgado pelo Estado ou que caiu do céu, um presente. Quanta ignorância! Houve muita gente que lutou, que foi à rua, que pegou em armas, que protestou e deu a própria vida para que a grande gama de silenciosos usufruísse dos ganhos.

Hoje morreu Nelson Mandela. A África do Sul chora e chora muito. Esse homem passou 27 anos de sua vida na cadeia, lutou  pela igualdade. Esse homem não foi um homem comum, foi um homem da estirpe de Las Casas, de Bolívar, de San Martin, de Gandhi, de Luther king, de Malcom X, de Guevara  e de muitos e muitos outros que cortaram a própria carne pela justiça, pela paz, pela igualdade, pela liberdade. Esses muitos e muitos outros não são nada perto dos bilhões de pessoas, que habitaram e habitam nesse planeta. A grande maioria desses bilhões é nada. Somos nada.

Eu tenho vergonha, se tivesse que encarar um desses super homens, não teria coragem, cairia de joelhos e pediria perdão, perdão cínico, perdão por inoperância social. Pediria perdão também aos médicos sem fronteira, aos bombeiros, aos salva-vidas, aos que trabalham pelo Outro, meu Deus, que vergonha. Que pessoa inútil eu sou e para os que assumem, que somos.

Hoje morreu Nelson Mandela e eu vi uma agressão ao senso comum, aparentemente simples, mas extremamente expressiva. A justiça foi feita com as próprias mãos.

Estava um Papai Noel em frente de uma loja de brinquedos, carregando uma saco de presente nas costas. Perto dele tinha um rapaz inteiramente alterado, xingando o "bom velhinho", sem o menor constrangimento. Papai Noel não respondia aos insultos que aumentavam em virulência e volume. O moço gritava com a voz embargada pelo ódio: "você, seu canalha, é um mentiroso, um analfabeto, nunca leu minhas cartas, nunca trouxe um presente para mim, nem para uma porção de gente que eu conheço. Eu te odeio Papai Noel. Eu tenho ganas de te matar todos os anos. A quem você dá presentes?  Você sempre me enganou e eu te esperei por vários anos. Você é injusto e mau.  Você não tem vergonha, seu infame, pífio, vil, ordinário e muitas outras palavras irrepetíveis. Papai Noel imóvel. Papai Noel, responda-me, meus pais também foram seus cúmplices? Sem resposta. Você é a criatura mais discriminadora que o sol cobre sobre a terra. Você é uma fraude Papai Noel.

Quando o golpe lhe foi desferido no meio da cara bochechuda, Papai Noel caiu no chão inerte, morto. O saco de presentes abriu e ali só se via caixas vazias e papel amassado. Os transeuntes passavam e olhavam para o "louco" com repugnância, os empregados da loja carregavam o Papai Noel para atirá-lo ao lixo, os donos da loja explicavam que aquele Papai Noel também era de mentira. O rapaz saiu andando a procura de outro Papai Noel, ele ainda queria uma resposta.










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