segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O LOUCO DA PRAÇA








Quem não conhece a figura caricatural do louco da praça? Até as crianças se sentem familiarizadas com aquele indivíduo, tido como um alienado mental, que se diz o dono da praça..."a praça é minha". Um dia recebi um texto de Danielzinho, meu amor, no qual ele relembrava o rio que marcou sua infância, o rio era dele. Esse é o ingrediente mais marcante do louco da praça, não é o caso de Danielzinho, mas é o caso de todos nós que nos sentimos proprietários da coisa pública, de cidades, de rios, de montanhas, de praias e sabe Deus o que mais.

Sinto que o escopo desse sentimento é infinito e irracional, podemos amar um lugar ao ponto de sentir ciúmes verdadeiros de qualquer um que por lá passe, olhe ou sinta o mesmo amor. Disputa inútil mas real. Eu tenho minhas propriedades que não gosto de compartilhar nem de brincadeira, aliás tenho ódio que alguém mencione o nome do lugar. Isso eu chamo de insanidade mental à moda do louco da praça. O pior é que são vários lugares e até mesmo situações corriqueiras que penso serem só minhas e atuo pela vida com esta certeza.

O Museu Histórico Abílio Barreto é meu. A rua Bernardo Mascarenhas é minha. Buenos Aires foi minha, quando alguém me falava da cidade, ficava nervosa, a cidade já tinha dona e ali estava um usurpador de cidades, isso eu não podia suportar.

Agora que estou há quase 10 meses em Madri, descobri que minha técnica para desapegar de tudo funcionou perfeitamente. Madri nunca sairá de minha memória, sei que todos os dias de minha vida algum fato me trará novamente a essa cidade, que tão bem me tem acolhido. Mas Madrid, como escrevem os espanhóis, não é minha, nem um pedacinho dessa cidade é meu. Eu não quero mais nada, imagine querer uma cidade? É chegar à loucura do "louco da praça".

A única coisa que sou dona absoluta, sem sócios ou coisa que o valha, é o meu pensamento, mas aquele que não divido com absolutamente ninguém. O pensamento é o único lugar onde o homem pode gozar da verdadeira liberdade.  Graças a Deus.

4 comentários:

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  2. Adorei! Você sabe tudo sobre a alma humana! O fechamento brilhante da sua crônica me abriu uma "baita" interrogação: será que essa "verdadeira liberdade" é válida na medida em que é mantida a severa vigilância, é submetida a constante censura e muitas vezes sofre violenta pressão ao se manifestar? Contudo, essa liberdade encarcerada é, sem dúvida, um valioso patrimônio! Beijos.

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  3. Lindo! Lembrei-me de Alberto Caeiro:

    Alberto Caeiro

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    O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
    Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
    Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

    O Tejo tem grandes navios
    E navega nele ainda,
    Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
    A memória das naus.
    O Tejo desce de Espanha
    E o Tejo entra no mar em Portugal.
    Toda a gente sabe isso.
    Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
    E para onde ele vai
    E donde ele vem.
    E por isso porque pertence a menos gente,
    É mais livre e maior o rio da minha aldeia.


    Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
    Para além do Tejo há a América
    E a fortuna daqueles que a encontram.
    Ninguém nunca pensou no que há para além
    Do rio da minha aldeia.


    O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
    Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

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  4. Eu passei horas olhando para o Tejo e pensei em Caieiro e também no rio, que não é o que passa na minha aldeia. Há almas únicas, desse homem foi super única, é possível? 24 de dezembro de 2013

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