sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O MITO DO LENHADOR











Criar um mito parece difícil? Não é. O mito é uma construção do homem. Como sempre, mitificar supõe falsificar. Os mitos são inquestionáveis. Eles habitam em um lugar privilegiado no universo mental das pessoas que para derrubá-los, nem o exército de Brancaleone.

A história é um dos terrenos mais férteis para a fecundação de mitos e sua subsequente imortalidade. Queiramos ou não, o mito transcende o escopo da ação do homem e isso o torna inacessível, inatingível. É notável a capacidade da memória humana em armazenar mitos absurdos e ainda reproduzi-los por séculos. Não seria uma ignomínia afirmar que a crença no mito, produz um efeito paralisante na mente. As pessoas o internalizam como cânone e o alojam em algum lugar impenetrável pela razão. Assim, ele impera soberano para sempre, favorecendo alguns e amargando a vida de outros. Esse é o lado complexo de sua existência. Há algum tempo desconstruí todos mitos que me atormentavam a alma. Dessa enfermidade já estou curada.



O fato é que esses prolegómenos só foram sinteticamente escritos para introduzir meu tema: sem ter a intenção criei um mito: o mito do lenhador. Conto a história tal qual aconteceu e fica à cargo do leitor a constatação ou não da inviabilidade do entendimento entre os homens. Só para não dar margem a outros mitos, estou querendo dizer sobre a inviabilidade do entendimento entre Homens, independente do gênero.


Um dia, cheguei à universidade e um estudante veio a mim afobado, dizia que minha aula foi amplamente discutida na aula de um outro professor. Perguntei-lhe a razão e ele me explicou que o outro professor não conhecia o "mito do lenhador", tão bem explicado por mim. Reproduzirei o diálogo.


- Eu nunca ouvi falar em mito do lenhador, de onde você tirou essa ideia?
- Falou sim professora, na aula sobre a vocação agrária da América Latina.
- Lamento meu caro, mas tenho certeza que disso também não falei, eu dou aula sobre o período colonial da América Espanhola e até há três dias atrás, quando preparei essa aula, a qual você se refere,  ainda não tinha nenhuma tese que ao menos sugerisse um projeto industrializante para a América. Ademais, a Revolução Industrial começou no século XVIII e a América ainda era uma colônia sem nenhuma possibilidade de promover um desenvolvimento nesse setor.


-Olha, Campolina você dá aula e depois esquece, eu tenho testemunhas, todos da sala ouviram quando você falou do "mito do lenhador" e hoje quando fui usar essa mesma teoria no curso de História da África, o professor ficou horrorizado com o absurdo que você inventou.
-Eu? Não meu caro, quem inventou isso foi você, argumentei. 



Nesse momento, percebi que tinha que encerrar a discussão, era uma saraivada de impropérios que o rapaz falava sem me dar um segundo de trégua. Ficou meio possuído pelo ódio por eu me furtar à autoria do mais recente mito da mitologia agrária. Comecei a ficar apreensiva com um copo de refrigerante que ele trazia trêmulo à mão. A qualquer momento aquilo ia parar na minha cara, inventei uma desculpa e sai.

Chegando no quarto andar, encontro com o tal professor e ele, com cara de sábio, me interpelou como se estivesse conversando com um membro de sua própria família: " que raio de "mito do lenhador" é esse que você inventou?" Respondi prontamente:" e você não sabe? Sem dominar o  'mito do lenhador', você não explica os países do Terceiro Mundo". Estupefato, ele me olhou e se retirou em seguida tomado do mesmo temor que eu tive em relação ao estudante. Eu também estava com um copo de Coca na mão, quisera estar com um copo de ácido, o alvo estava a um metro de mim.


Voltando para casa, dentro do meu carro, local onde meu pensamento flui no compasso do trânsito, lembrei de uma frase que tinha falado na sala. "É pessoal, estudar a economia da América Colonial, é uma tarefa hercúlea dado às diferenças e singularidades das várias regiões do continente, melhor seria rachar lenha o dia todo, voltar para casa à noite e dormir tranquilamente". Eis a origem do "mito do lenhador".





Minha única preocupação é cair nas mãos de um médico que preste atenção nas aulas como esse estudante, aliás, um ótimo aluno, afirmam meus colegas.




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