domingo, 12 de janeiro de 2014

A CHEGADA











Essa entrada aqui não vai para ninguém em particular. Todos deveriam saber que estar fora do país por um tempo longo, tem os dois lados: o bom e o ruim. O bom é o glamour de vir e o glamour de ter estado...conseguiu ficar, grande vitória. O ruim é ficar longe do Brasil, ainda que esteja feliz por uma série de acontecimentos, sobretudo na área do trabalho, sonha quem pensa que isso é um "sonho". O sonho pode ser a vontade de vir, mas a realidade pode ser um pesadelo. Não foi para mim, mas é para inúmeras pessoas. Há de ter muita gana para chegar até o fim desses estágios, sem vacilar.


As conversas entre brasileiros "exilados" são sempre permeadas por histórias do Brasil, da região onde vive cada um, histórias familiares, tristezas com as notícias imprevistas e sobretudo o sofrimento pelas ameaças de tudo que acontece de tragédia no país. As pessoas que estão fora, sabem o que é viver no Brasil e sabem como as coisas rolam por lá. Além disso, em todo grupo no exterior, há o "correio da notícia ruim", é aquele que passa o dia na internet buscando informações para passar em primeira mão. Ninguém precisa torturar os que estão fora contando os absurdos que acontecem no país, aqui se sabe de tudo. No entanto, é para lá que todos querem voltar.


Paradoxalmente, a volta é banhada de lágrimas, também não é fácil voltar e deixar para trás certas pessoas excepcionalmente únicas e também um tempo, que jamais será vivido da mesma forma. Bem, isso é o óbvio da vida.


Quinta-feira última, despedindo de um amigo que voltou para o Brasil, me dei conta que essa experiência tem um aspecto detonador no sentimento da gente, é a perda permanente. Aqui fazemos novos amigos, com alguns poucos manteremos o contato pelo resto da vida, mas a grande maioria, certamente, não veremos nunca mais. É uma história muito parecida com a que se passa com os colegas de colégio. Depois de convivermos por anos, acontece a formatura e...nunca mais. O contrário também é verdadeiro. Algumas pessoas muito chegadas que deixamos no Brasil,  são incapazes de dar um telefonema ou mandar uma carta para o amigo que partiu, ainda que a despedida tenha sido repleta de emoções e promessas de contato. O esquecimento vem quase na mesma medida de ambos os lados, os de cá e os de lá. Há algumas poucas exceções.


Mas o que mais irritou essa pessoa na festinha de "adeus", foi a antipatia prévia de ter que responder as mesmas perguntas, para todas as pessoas que vier a encontrar nos próximos cinco anos. (rsrsrs) São dois blocos de perguntas a enfrentar, o primeiro é feito pelos que sabem que você esteve fora e o segundo pelos que não sabem.


Perguntas feitas pelos que sabem da sua estadia no exterior. O calvário começa no aeroporto por várias pessoas ao mesmo tempo, ah, e tudo aos gritos.


1) Oi, fez boa viagem? Valeu? Fez tudo que tinha planejado? Viajou pela Europa? ( se sim, é um safado, se não, é um otário).
2) Você não vai se acostumar com isso aqui, já deve estar sabendo, né? A vida caríssima, bandido em todas as esquinas, assaltos à mão armada, trânsito infernal, nada funciona, governo roubando até dentadura dos pobres, um horror, porque voltou para esse inferno, seu idiota? (já talhou o sangue)
3) Passou rápido, mas você fez muita falta, ouviu? (primeira mentira)
4) Arrumou namorado (a)? nem um toureiro matador? INCOMPETENTE! (primeira ofensa)
5) Comprou muita coisa? Essa blusa é nova, deve ter comprado BARATÍSSIMO. ( fantasia histórica)
6) Parece que você engordou uns quilinhos, vai, conta logo, 7 ou 9 quilos? (tapa na cara)
7) Guardou algum dinheiro? Não? Tem que pagar IPTU, IPVA, IR, etc, etc, etc...Prepare-se porque seu salário está 40% defazado, inflação comendo solta, tá? (é a miséria iminente)
8) Estava frio? Você vai ver o calor dessa terra, não se respira mais.
9) Quando volta a trabalhar, já ficou muito tempo à toa, né? (punhal no peito)

Essas são apenas para começar.


Nisso aparece um infeliz que você não vê há anos, te abraça no meio da turma, que já te siderou e começa, na maior insensatez,  a fazer perguntas que fazem parte do segundo bloco. Lógico que não vou importunar os que estão lendo esse Blog e enumerar as perguntas que só começaram a proliferar.

Esse é o ponto da ambiguidade humana, se as pessoas são "over", despertam em você os mais puros ímpetos assassinos, se são indiferentes, depressão na certa.

Para evitar que a chegada de um seja seguida de outra imediata partida, até mesmo para o Além, as pessoas têm que se dar conta da delicadeza do momento. O viajante está fora do seu estado normal, entendam isso. Nada de abraços apertados e longos, nada de perguntas, nada de puxar para si a pessoa para uma conversinha particular nada a ver, nada de flores, nada de buzinas, sanfonas, pipoqueiros, fantasias, foguetes, lágrimas descontroladas, dramas, etc...


Aquele que chegou de uma viagem de 10 horas dentro de um avião, que passou por pavores nas turbulências sobre o Atlântico, que deixou para trás amigos que gostava, que está literalmente a um passo da morte, tem que ser tratado com piedade. Dê-lhe dois dias para por os pés na terra, ele terá o resto da vida, se sobreviver, para contar tudo que você precisa, precisa não, quer saber.


Já nos foi mandado um email com cópia para os que foram na despedida: "Viagem tranquila, chegada tensa, camisa rasgada, várias escoriações, almoço com 40 convidados, malas abertas por gente que nunca vi. É a derrota. Saudades eternas, de hoje não passo".

 

3 comentários:

  1. Adorei, Cristina. Já vou me preparar para responder esse bloco de perguntas ... O ruim é quando quem as faz não tem nenhuma intimidade com você... risos... Vamos nos preparar psicologicamente... bjs

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  2. Maravilhoso, mãe! Adorei as perguntas dos malas. Você foi perfeita. E é por essas e outras que ficarei em SP, quietinha na minha casa, esperando seu convite para revê-la. Beijos.

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  3. Eu só fico me lembrando do "que saudade, Zé"! abraçada a um urso gigante!! -- ridículos que a gente comete depois de horas hipnotizada dentro de um avião!!

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