domingo, 19 de janeiro de 2014

"AINDA BEM QUE NÃO SOU SURDA"




                                         Final de tarde em Nazaré, Portugal.
                                         Aqui ser surda, não é um castigo.



Há coisas que irritam a todo mundo, melhor, a quase todo mundo. Eu sou uma pessoa naturalmente bem humorada, mas prontinha para me irritar com as coisas mais inusitadas. Tolerância zero mesmo. Imagino que faço as mesmas coisas que me irritam nos Outros.Dizem que a gente observa no Outro aquilo o que é, melhor dizendo, nos projetamos no Outro. Não concordo. Há toda sorte de gente nesse mundo, entre o chatinho e o insuportável, passamos por uma gama que só não é infinita porque limitei minha antipatia na categoria dos insuportáveis. Se sou isso tudo, darei cabo da minha vida nesse momento. Só não o faço  porque Deus me privilegiou com uma vaidade sem limites, é ela que me salva de enxergar a mim mesmo, verdadeira salvação nesse mundo de lágrimas e ranger de dentes, (rs).

Dizem que todo homofóbico é um gay que ainda não se revelou. Discordo radicalmente. Deus que me livre de ter a audácia de querer que alguém me revele sua condição sexual real. Das tiranias sociais, essa é a capitã do time. Mas se tomarmos a afirmativa  acima como verdadeira e a estendermos às incontáveis  áreas do preconceito, entraremos no labirinto da mentira humana. A Ku Klux Klan teria sido uma organização de brancos que queriam ser negros, a negritude era o desejo velado de seus adeptos. Hitler queria tanto ser judeu, que mandou matar a todos, por pura frustração de não ser um deles. Aqueles que maltratam os pobres e desvalidos, sonham com a indigência. Os que destratam  e desprezam os ignorantes, não passam de sábios que se auto-rejeitam. Fica difícil  tomar esse caminho para entender o preconceito, não? Acho mais simples dizer com a cara limpa, "não gosto disso ou daquilo e assunto encerrado". Mas não sigam essa ideia, é crime inanfiançável. Só se pode falar aquilo que não fere ao diferente. Só essa frase já é um preconceito da pior qualidade. Assunto sem fim.

Voltando ao tema que me propus a escrever, vou comentar apenas umas poucas entre as várias coisas que me alteram o juízo.

1) Conto um ocorrido que pode ser do mais trágico ao mais irrelevante. O interlocutor não escuta até o fim e fica sôfrego para contar várias outros ocorridos do mesmo tipo, só para rebater. Isso é detestável. Em geral, esses "interventores" são  indiferentes ao problema do outro (se for o caso) . No caso de doenças a coisa é infernal. Se conto que sofro de um mal, me exaurem com o número de casos de gente que morreu com a mesma enfermidade ou que está entrevado numa cama. Outros ficam caladinhos, mas erguem as sobrancelhas e retraem levemente os lábios. Quer cara mais antipática e ameaçadora? O doente em si ou a tragédia contada fica para segundo plano, no lugar entra a história "nada a ver" do insensível.

2) Falo uma frase ou me vem uma ideia inédita, criada naquele momento. O interlocutor na hora já vem à carga: " imagine que falei exatamente isso ontem com fulana". Minha antipatia é soberana. Essa doença é aquela de querer tomar para si a criatividade e o ineditismo do outro. Muito comum. Além de roubarem minhas ideias, as antecipam para não haver problemas de autoria. Isso me irrita.

3) Conto um caso meio inacreditável. Isso me ocorre muito porque presto atenção no mundo. Tudo pode acontecer, até o inacreditável. Se não acontecesse o mundo seria uma monotonia total. O que está ouvindo o caso, não só duvida, mas olha para uma outra pessoa da roda e meneia a cabeça indicando que acabaram de escutar uma barbaridade. Nesse caso, não tenho antipatia do outro e sim ódio de mim mesma por ter votado contra a venda de armas no Plebiscito de 2005 (5)? Certamente, se estivesse armada, daria um tiro certeiro na cara dessas pessoas, que "donas da verdade", ridicularizam o outro por uma história que, na maior parte das vezes, é verdadeira, mas foge ao cotidiano. Melhor expressando, passam desapercebidas para as pessoas pouco atentas.

4) "Adoro gays". Odeio essa frase. Ninguém adora gay, a gente adora várias pessoas, essa adoração independe da condição sexual do outro. Há gays insuportáveis e heteros mais insuportáveis ainda. Logo, essa frase é uma grande falácia, proferida por preconceituosos juramentados que escondem seu verdadeiro sentimento. De mais a mais adorar, só a Deus. Pelo resto temos uma pequena simpatia. Bem, há algumas exceções.

5) Detesto ouvir certas palavras que precedem ordens: "já que".....vc está na cozinha, aproveita e pega um copo de Coca e faz um sanduiche para mim; "aproveita".....que está no centro da cidade e compre uma linha preta de seda no Armarinho São José; "quando vier"..... passe pelo shopping e .... Enfim, essas são algumas palavrinhas que soam como agulhas nos ouvidos de quem as ouve. O folgado fica na dele dando ordens ao infeliz que foi descoberto em algum lugar que possa ter uma coisa de seu interesse. Isso é muito comum quando as pessoas viajam, são as famosas listinhas dos "encomendadores". Tudo é fácil para o outro. 

6) Carona, essa a palavra já diz. Nada pior no mundo que pedidor de carona. Você vai para o sul, o aproveitador vai para o norte e tem "cara" de te pedir uma carona. Tenho ódio de levar ou buscar qualquer pessoa da categoria 'carona', em geral, vira obrigação. E mais, os caroneiros descem do carro sem um 'muito obrigada'. Quando combino com alguém que ao dia seguinte vou dar-lhe uma carona para a universidade, por exemplo, passo a noite acordada para não deixar o outro na mão, fico com medo de acordar doente, sei lá...compromisso com acompanhante não é o meu favorito.

7) Ouvir detalhes de viagens, não de quem conta, mas de um desconhecido meu. Fico pensando como alguém pode pensar que interessa a qualquer pessoa nesse mundo a viagem de um ser que nunca viu? E as compras? E as maravilhas? "Já é a terceira vez que 'fulana' vai ao Vale do Jequitinhonha. (Cantem a música)
" É gente humilde que vontade de chorar..."


8) Não suporto namorados falando como criança. Coisa mais jeca não existe.

9) Ruído de mordidas em maçã: irritam à morte.

10) Mascador de chicletes de boca aberta, escancarada, permeada por bolas e plocs.


Paro aqui, já estou com antipatia mortal só de pensar nessas coisas. As outras são indizíveis. 


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