sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

VOU VOLTAR






Quando Gonçalves Dias escreveu a "Canção do Exílio" em Portugal, certamente não lhe ocorreu que seu poema seria eternizado no coração de todos que o leram. Dizem que os leitores são co-autores das obras dos escritores. Concordo. Só o fato de gostar, não gostar, achar que poderia ser escrita de outra forma, confere ao leitor essa função, lógico que de menor grandeza.

Não há beleza, não há modernidade, não há nada que apague no coração de quem está longe da Pátria essa saudade doída, saudade de arrancar lágrimas vivas, saudade de sentir dor no peito, ainda que todo esse sentimento seja contido e escamoteado em risos e histórias para distrair o coração.

Há dias que busco nas fotografias, como Machado de Assis, uma companhia para estar comigo, "Na ausência de alguém, jante com o retrato". Quantos retratos, quantas lembranças, são lembranças coloridas de verde e amarelo, são os símbolos da Pátria, que tantos morreram e morrem por ela. Seja ela qual for, tudo "Por amor à Pátria", como intitulou Maurizio Viroli seu belo livro. A Pátria é onde está nossa ancestralidade, nossos mortos, nossos pais. E é para lá que eu quero voltar.

Vou voltar Priscila,
Vou voltar Rachel,
Vou voltar Paula,
Vou voltar minha mãe.

Sabem por que?
Porquê além de vocês,
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá.

São palmeiras e palmeirinhas,
Que eu as deixei soltas por lá,
Mas em breve, muito breve
Tudo voltará ao lugar.

A que ponto posso falar,
Que nada mudou, impossível,
Mas aqueles que em mim habitam
Nem o tempo pode mudar.

Não permita Deus que eu morra,
Sem nelas colocar meu olhar,
Palmeiras como aquelas,
Eu nunca as vi por cá.

No dia em que eu voltar,
Ninguém sentirá o que sinto
Só dentro de mim estará
O alivio de em minha terra pisar.

Saudade é um sentimento autônomo,
Que dói só de aflorar,
Mas o consolo que salva,
É a certeza de para o Brasil voltar.


CANÇÃO DO EXÍLIO


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas
Nossas várzeas têm mais flores
Nossos bosques têm mais vida
Nossas vidas mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá,
Minha terra tem palmeiras;
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores
Que tais não encontro eu cá
Em cismar, sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá.

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;

Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem que eu aviste as palmeiras
Onde canta o Sabiá







































MMMi

2 comentários:

  1. Adorei seu poema! Como vc, vários poetas beberam na mesma fonte. Leia esse outro poema que é uma música linda também!

    Vou voltar, sei que ainda vou voltar
    Para o meu lugar
    Foi lá, e é ainda lá
    Que eu hei de ouvir cantar
    Uma sabiá, cantar, uma sabiá

    Vou voltar, sei que ainda vou voltar
    Vou deitar a sombra de uma palmeira
    Que já não há
    Colher a flor, que já não dá
    E algum amor
    Talvez possa espantar
    As noites que eu não queria
    E anunciar o dia

    Vou voltar, sei que ainda vou voltar
    E é pra ficar
    Sei que o amor existe
    E eu não sou mais triste
    E que a nova vida já vai chegar
    E que a solidão vai se acabar
    Hei de ouvir cantar uma sabiá

    (Sabiá – Chico Buarque e Tom Jobim)

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